Foi com conviccção que Paulo Gonçalves, ex-assessor jurídico da SAD do Benfica, acusado de 79 crimes no processo E-toupeira, tentou passar à juíza Ana Peres a mensagem de que o seu antigo cargo lhe dava “autonomia” na distribuição de convites e bilhetes para os jogos dos encarnados, procurando desta forma afastar a SAD do tema. Vários emails já tornados públicos, porém, revelam que Paulo Gonçalves procurava validar muitos pedidos junto do presidente, Luís Filipe Vieira, e do administrador executivo da SAD, Domingos Soares de Oliveira. Num desses emails, de 13 de Abril de 2017, Vieira até apelida Gonçalves como o “campeão das borlas”. Em resposta, o ex-assessor rejeitou ser o “rei” das borlas, aceitando o título de “príncipe” mas, referiu, “sempre no interesse exclusivo do SLB”.

Nas suas declarações perante a juíza Ana Peres, que está a conduzir a fase de instrução do processo E-toupeira, Paulo Gonçalves apresentou uma versão alternativa daquela que consta nos milhares de emails disponíveis. “Dentro do que era o enquadramento das minhas funções, é fácil de compreender que eu relacionava-me com dezenas de pessoas, desde clubes, Liga, Federação, UEFA. Se eu tinha essa responsabilidade é óbvio que tinha autonomia para disponibilizar e aceder às inúmeras solicitações”, declarou o arguido nas primeiras declarações que prestou no processo, acrescentando que apenas em algumas circunstâncias, que classificou como excepcionais, solicitou a aprovação superior.

Contra esta versão há vários emails, que mostram a existência de um eventual procedimento instalado de validação e confirmação dos convites. Por exemplo, a 20 de Outubro de 2015, Paulo Gonçalves fez chegar a Luís Filipe Vieira um pedido de 3 convites para NC, aparentemente referindo-se a Nuno Cabral, dizendo que este tinha “aportado muita informação útil” e que pretendia falar pessoalmente com ele. Na resposta, o presidente do Benfica respondeu com um “ok”, encaminhando o pedido para Ana Zagalo. Outro email revela que para um jogo entre o Benfica o Zenith, em Fevereiro de 2012, Paulo Gonçalves quatro convites, um dos quais para o presidente do Bétis. Os pedidos foram encaminhados internamente até Domingos Soares de Oliveira, que os validou.

Nas declarações prestadas na fase de instrução, Paulo Gonçalves contou ainda que foi no final de um jogo de futebol,entre o Benfica e o Marítimo, em Maio de 2015, que conheceu o funcionário judicial José Augusto Silva, acusado de 76 crimes, e que, após uma troca de palavras, forneceu-lhe o contacto. “Isto parece um romance, mas não é”, disse Paulo Gonçalves, dizendo que conheceu um dos seus melhores amigos, Justin Kelly, cidadão irlandês, num restaurante. Em Abril de 2017, relatou à juíza, José Augusto Silva fez-lhe chegar um envelope. “Quando abro o envelope, vejo a capa do processo e meia dúzia de folhas”, disse, referindo-se ao chamado “caso dos emails”, um dos que o funcionário judicial de Fafe é suspeito de ter pesquisado no sistema informático da justiça.

Questionado pela juíza se perante tais dados, e euma vez que reportava ao conselho de administração e tinha dito que trabalhava mais directamente com Luís Filipe Vieira, alguma vez tinha comentado, mostrado ou trocado umas impressões com os gestores da SAD ou com o próprio Vieira sobre o assunto, Paulo Gonçalves respondeu negativamente. “Poderia ter falado nisso, até na tribuna…”, indagou Ana Peres. “Com a mesma frontalidade digo que os recebi do meu amigo e não reportei nada a ninguém, porque não havia nada a reportar”, respondeu o ex-assessor jurídico do Benfica.

Ana Peres ainda indagou Paulo Gonçalves sobre os motivos que o levaram a enviar a José Augusto Silva dois números de processos judicias, um que dizia respeito a uma queixa do Benfica contra o antigo director de comunicação do Sporting, Nuno Saraiva, o segundo relativo a uma queixa do comentador do Porto Canal Bernanrdino Barros contra o blogger Hugo Gil. “Curiosidade”, respondeu Paulo Gonçalves, admitindo que, provavelmente, não deveria ter enviado tais mensagens.

Quanto ao facto de presentear José Augusto Silva e Júlio Loureiro, outro funcionário judicial acusado no processo, com convites para o chamado “anel VIP” do Estádio da Luz, Paulo Gonçalves justificou com o facto de os funcionário judiciais se deslocarem a Lisboa na companhia de um amigo seu, o empresário Óscar Cruz, que tinha um lugar no estádio. “Eu não convido pessoas para irem a minha casa e uns ficam na cozinha e outros ficam na sala. Se convido, vão todos para o mesmo sítio”, declarou

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Júlio Loureiro hesitante..
Nas últimas semanas, além de Paulo Gonçalves e dos administradores da SAD encarnada, também o funcionário judicial Júlio Loureiro prestou declarações perante a juíza Ana Peres. A certa altura e depois da magistrada judicial insistir na pergunta se alguma vez remeteu a Paulo Gonçalves informações de processos, o funcionário judicial hesitou muito na resposta: “Não…me recordo…”. “Não ou não se recorda?”, insistiu a juíza. “Não me recordo, mas com certeza que não”.

Certo é, em Novembro de 2016, tal como já foi revelado nos emails disponibilziados publicamente, Júlio Loureiro enviou a Paulo Gonçalves uma notificação para o treinador Rui Vitória, com o comentário: “Para conhecimento antecipado, dado ser uma data que antecede a viagem à Turquia, remeto-lhe cópia de uma notificação para Rui Vitória, Agradeço discrição quanto ao assunto uma vez que nem sequer é da minha secção, ok?”.

No processo E-Toupeira estão em causa, ao todo, 261 os crimes. A SAD do Benfica foi acusada de 30 crimes, um deles de corrupção ativa e outro de oferta ou recebimento indevido de vantagem – para além de 29 de falsidade informática. O Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa pede na acusação que sejam aplicadas à SAD penas acessórias previstas no artigo 4º do Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos (Lei nº 50/2007), das quais ressalta, sobretudo, a suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos.

Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, foi acusado de 79 crimes: um de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação de segredo de justiça e de 21 crimes de violação de segredo por funcionário, em coautoria com os arguidos Júlio Loureiro e José Silva (ambos funcionários judiciais). O dirigente encarnado está ainda acusado de 11 crimes de acesso indevido (em coautoria), de 11 crimes de violação do dever de sigilo (em coautoria) e 28 crimes de falsidade informática.

O MP acusou ainda o oficial de justiça José Silva – o único dos arguidos em prisão preventiva – de 76 crimes: um de corrupção passiva (em coautoria), um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de falsidade informática e de um crime de peculato (apropriação indevida de dinheiro público).

O arguido Júlio Loureiro, escrivão e antigo observador de árbitros, foi também acusado de 76 crimes: um de corrupção passiva, um de recebimento indevido de vantagem, um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo e de 28 crimes de falsidade informática.

artigo publicado na revista Sábado