Uma das grandes preocupações dos Sportinguistas é talvez que o seu clube reúna todas as competências e qualidades para que consiga conquistar títulos significativos no futebol. É uma demanda que perseguimos com ansiedade e muitas vezes de forma obsessiva. É um facto que de tanto procurarmos fórmulas vencedoras, condenamos Direções, terminamos mandatos, despedimos treinadores e reformulamos constantemente plantéis. De alguma foram, assumimos sempre que o problema ou a distância que nos resta para o sucesso é nossa responsabilidade.

Esquecemo-nos porém que estamos inseridos num contexto desportivo “especial”, dentro de um pais “muito especial”. Não competimos sozinhos e por muito que nos culpabilizemos por erros na gestão desportiva, há muito mais que interfira na legitimidade para um clube em Portugal ter as condições necessárias para ser campeão. Estarei a falhar à verdade se disser que as operações “paralelas” dos nossos grandes rivais Porto e Benfica se tornaram tão complexas e competentes que nos deixam, a nós Sporting, como um autêntico pato no lago só à espera de levar, época atrás de época, o tiro mortal quando a eles lhes parece ter chegado essa hora?

Estarei a falhar na razão se disser que, seja o Sporting mais ou menos paladino da verdade desportiva, o cenário mudará zero, enquanto toda a massa de esquemas, corrupção, tráfico de influências e compadrio não for combatida pelo Estado de forma convicta e sem reservas ou receio de consequências politico-sociais? Estarei enganado quando sinto que isso, não só não parece estar para breve, como nos preparamos para perder mais uma grande oportunidade para escolher esse caminho?

A força política que sustenta as diligências das polícias e tribunais é…fraca. Em Portugal é especialmente fraca contra os poderosos. A Justiça é lenta porque isso dá vantagem a muita gente, as Polícias investigam mal e de forma deficiente porque isso dá margem de manobra a muita gente. As areias dos grandes crimes, escapam sucessivamente por entre os dedos, tão abertos como se deseja, tão espaçados como as elites moralistas permitem que o rico escape e o pobre não, que o grande crime escape e o pequeno não, que o crime organizado impere e o desorganizado não.

Portugal, não é só no futebol, permanece como uma coutada de golpes ao próprio Estado, sendo que os que verdadeiramente sofrem e são comprovadamente lesados, são os menos culpados, são os que nunca se sentaram a mesa alguma para dividir saques, são os que no final do mês pagam com as suas deduções a mariscada farta de quem veem nas televisões a dizer-lhes “que vivemos acima das nossas possibilidades”. É neste charco que Porto e Benfica, sobretudo estes, traçaram os planos que quiseram para que se contornassem regras, regulamentos e leis. Foi neste habitat de predadores nocturnos que escolheram as serpentes, os ratos e as toupeiras mais aptas a viciar a verdade desportiva e a colher as vantagens indevidas dessa aposta.

E depois, vem o Sporting. Apresentamo-nos sucessivamente em contra-corrente a este ciclo de vícios. E fazemos gosto em afirmá-lo. Parece-nos até estranho que os outros adeptos não sejam como nós. Mas são. E a prova disso está escrita ao longo de mais de quatro décadas e perfeitamente vincada na sobrevivência de Vieira e na derrocada de Bruno de Carvalho, ao longo do ano anterior. Esta nossa “diferença” orgulha-nos tanto ou mais quanto as derrotas nos enfraquecem e isto, meus caros, é um dilema de proporções gigantescas. Somos uma espécie que não se tenta adaptar ao seu habitat, queremos contrariar as leis do nosso ecosistema. Será viável? De que forma?

Não questiono a validade da nossa identidade ou da nossa “diferença”. Para mim também é vital não percorrer caminhos que nos levem à mesa dos maus vícios do futebol português. O que questiono é se entendemos as consequências e aceitamos os prejuízos. O que me perturba é a nossa desistência por pensar e agir em conformidade com este enorme prejuízo. E é neste imenso jogo de gato e rato, entre crime e castigo que tenho a certeza que temos de desistir de ser vítimas e passar a ser obsessivos, não em autofagia, mas na perseguição dos esquemas e dos que os promovem. E faremos esse caminho sozinhos. O Sporting não vai poder contar com nada, nem ninguém nesta luta.

É nesse sentido que se torna evidente para mim, que este é o primeiro de muitos pactos que a nação leonina precisa de realizar. Os adeptos têm de unir-se em torno de quem procurar a melhor defesa para o clube. Os dirigentes têm de afrontar os poderes paralelos instalados. Ficar calado e sentado à espera da PJ, dos tribunais, da FPF, da Liga ou qualquer outra entidade externa não só é uma má opção de gestão, como é ainda pior em termos de comunicação. Portugal é o pais onde quem não faz barulho é ignorado, onde quem não se revolta é esquecido, onde quem não combate é ridicularizado.

E, pela enésima vez, o problema não é o “barulho” ou o “clima”. Que deixemos essas merdas de convénios de etiqueta. O Sporting não tem de se preocupar com a poeira que a sua contestação levantar. Nós somos os lesados. Nós apenas queremos respostas. Nós temos direito a levantar todos os tapetes, a pontapear todas as cobras, a acusar e a denunciar todo lixo que está entre as nossas aspirações e as nossas legítimas conquistas. O problema não é o “comportamento” do Sporting, nunca foi. As tvs e jornais atribuem-nos a nós as responsabilidades que não imputam aos nossos rivais e, por mais ridículo que isto seja, ainda tem a distinta lata de fingir que não sabem que somos nós os eternos prejudicados.

A diferença que os sportinguistas devem cultivar não é de sermos mais “calmos”, mais “educados”, menos “belicosos” ou mais “cívicos…mas sim, os mais “justos” e “honestos” e isso nada interfere com o ruído, as lutas e a “revolta” que fizermos para passarmos a ser isso de forma contrária à ingenuidade e passividade de agora.

O problema, ao contrário daquilo que preocupa o Dr. Fernando Gomes, não é o “clima” do futebol português. É a verdadeira impunidade que se dá aos infractores. Esta é uma “verdade” que tarda à Direção de Varandas entender. Dizer que se “confia na justiça e nos tribunais” fica muito bonito quando convivemos diariamente com juízes e advogados, mas a verdade é que o Sporting tem milhares de razões para não confiar minimamente na justiça e nos tribunais. Nunca fizeram nada por nós, nem vão fazê-lo enquanto não decidirmos colocar todo o nosso peso social e desportivo numa luta sem quartel contra quem nos toma, constantemente, por fracos e parvos.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca