Mesmo sobre o fecho do mercado, a Tasca conseguiu mais um reforço de peso para a equipa: Álvaro Dias Antunes regressa à cozinha para preparar o prato semanal sobre o futebol feminino! Bem vindo de volta, Álvaro!

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Está de volta a esta Tasca o petisco semanal sobre Futebol Feminino (com especial relevo para o que se joga a verde e branco e de leão rampante ao peito). Como, neste fim de semana, as nossas “meninas” não foram chamadas a jogo, achei relevante recordar a evolução que o FF conheceu em Portugal desde a época 2016/2017.

Estarão recordados que, para essa temporada, a FPF fez um repto aos Clubes então na 1ª Liga masculina para criarem equipas de Futebol feminino que teriam entrada directa na Liga Allianz (então o Campeonato Nacional da Primeira Divisão de Futebol Feminino). Apenas 4 SADs responderam a esse desafio: as de Sporting Clube de Portugal, Sporting de Braga, Estoril-Praia e Os Belenenses (este último por via da rutura entre Clube e SAD e da recusa em qualquer deles em assumir o projeto, viria a abandoná-lo a meio dessa época de 2016/2017).

A forma pouco agressiva e nada assertiva como a FPF procurou garantir um novo impulso para o FF teria sido um rotundo fracasso não fora o compromisso com que Sporting e Braga aderiram ao desafio.
O Braga construiu uma equipa onde se notou logo um grande investimento, contratando algumas das melhores jogadoras portuguesas (Rute Costa, Vanessa Marques, Jéssica Silva, Andreia Norton) e 9 estrangeiras (5 espanholas e 4 brasileiras). No seu primeiro ano, o Braga não possuía equipas de formação. O Sporting contratou o Professor Nuno Cristóvão para desenhar e gerir um projeto que visava construir uma equipa para se tornar uma das 8 melhores europeias. Mas consolidou esse projecto a partir de jogadoras portuguesas (algumas a actuar no estrangeiro) e na criação de escalões de Formação recrutando meninas a partir dos 9 anos de idade.

O certo é que o Campeonato, muito por via do “investimento mediático” do Sporting veio a gerar níveis de público muito acima do normal, tendo mesmo o Sporting vs Braga para o campeonato, jogado no Estádio José de Alvalade em 25 de fevereiro de 2017, sido motivo de notícia internacional por um jogo de estabelecer, então, um record europeu de assistências de FF entre Clubes, registrando 9.263 espectadores, mesmo havendo transmissão televisiva em canal aberto, na TVI24 e na Sporting TV. Meses mais tarde, a 4 de Junho desse ano, um novo Sporting vs Braga, agora na final da Taça de Portugal, estabeceleria novo record de assistências, com o registro de 12.213 espectadores e novamente com transmissão televisiva em canal aberto, na RTP1.

Nesse ano o Sporting assegurava a TOTAL hegemonia do FF ao conquistar os 6 Títulos que disputou ns 3 escalões competitivos (Seniores, Juniores sub 19 e Juniores sub17); a dose viria a ser repetida, no ano seguinte, com o acréscimo da Supertaça no escalão senior.

Na época 2018/2019, o Benfica solicitou à FPF a inscrição de uma equipa Feminina no 2º Escalão. Logo nesse ano, o Benfica investiu forte num plantel com 13 estrangeiras (11 brasileiras, 1 caboverdiana e 1 espanhola) mesmo competindo apenas na 2ª Divisão. Também nesse ano, um novo recorde nacional de assistências é batido: desta vez um Benfica vs Sporting, em jogo particular de solidariedade para com Moçambique (assolado pelo furacão Icaí) registra mais de 15.000 espectadores no Estádio do Restelo (também transmitido em canal aberto pela TVI). Tudo parecia, encaminhar-se para um novo impulso no FF, com a subida de um terceiro “peso pesado” no seu primeiro escalão. Todavia, a pandemia viria a suspender as competições de 2019/2020 e um novo quadro competitivo viria a surgir para moldar a presente época de 2020-21.

A FPF tenta impôr um plafond máximo aos orçamentos das equipas de FF que solicitassem o licenciamento profissional, algo que foi muito mal acolhido pelas jogadoras e pelos clubes com maiores ambições. Ao Benfica, Braga e Sporting, juntava-se agora o Famalicão cuja SAD decidiu também apostar alto no FF, construindo um plantel de 24 jogadoras com 10 estrangeiras (3 espanholas, 5 brasileiras, 1 sul africana e uma norte americana) e recrutando ainda no Sporting (Mariana Azevedo e Solange Carvalhas) e no Braga (Rute Costa, Babi e Cristiana Ferreira). Mas a aberração maior na proposta da FPF residiu no novo quadro competitivo que impôs: um Campeonato Nacional da 1ª Divisão que passa das prometidas 10 equipas para 20 equipas. Essas 20 equipas disputaram uma 1ª Fase distribuída por 2 séries (Sul e Norte) de 10 equipas cada com jogos disputados a 1 volta. As 4 primeiras de cada série juntam-se para uma Série de apuramento de Campeão a 8 equipas e 2 voltas, começando a pontuação do zero. As 6 últimas de cada série prosseguem o Campeonato em 2 Séries de Manutenção Sul e Norte partindo cada equipa com metade dos pontos adquiridos na 1º Fase (arredondados por cima no caso dessa pontuação ter sido impar); as 2 últimas de cada Série descem 2ª divisão e o 3º e 4º das 2 séries vão disputar um play-off para despromover outras 2. Deste complexo esquema resultam 6 descidas e (a saber 2 subidas) que farão que o próximo campeonato se dispute a 16 equipas. Supondo que então se mantenha o mesmo formato, a época 2021/2022 terá uma 1ª Fase com 2 séries (Sul e Norte) de 8 equipas (espero que agora jogada a 2 voltas) e uma 2ª Fase com outras 2 séries de 8 equipas em que se juntam os 4 primeiros de cada série da 1ª Fase para disputar o campeão e os 4 últimos de cada Série para disputar a Manutenção (espero que para descer 4 equipas e voltar a subir 2). Isto dará o regresso às 14 equipas em 2022/2023 e apenas se alcançará o prometido quadro competitivo de 10 equipas na época 2024/2025, mantendo até lá o espetro de 4 descidas e 2 subidas.

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Moral da história, para satisfazer as ambições de uma série de equipas de menores recursos e acomodar o novel Famalicão, temos uma primeira divisão com 20 equipas ainda a disputar jogos e uma 2ª Divisão com 2 séries de 10 equipas (que incluem as equipas B de Sporting e Valadares Gaia, que não podem subir). Essa satisfação de ambições resultou, em minha opinião, num total descalabro competitivo com uma série de projectos desajustados em função da miragem de obtenção de resultados que, a prática continuavam a só estar ao alcance de quem tinha muito maior capacidade de investir ou já tinha projectos e plantéis consolidados.

Entre as 20 equipas que se distribuiram pelas 2 séries da 1ª Fase, apenas o Futebol Benfica (9º da Série Sul), o Fiães e Gil Vicente (respetivamente 8º e 9º da Série Norte) não inscreveram estrangeiras. O Amora (7º da série Sul) apresentou 1 estrangeira. O Estoril- Praia (5ºda série Sul) e a Ovarense (6º da Série Norte) apresentaram 2 estrangeiras. Estas 6 equipas disputam agora as séries de manutenção mas apresentaram-se com plantéis relativamente baratos (curtos e sem recurso ou com pouco recurso a estrangeiras). Com apenas 3 estrangeiras só se apresentaram o Marítimo (3º lugar na Série Sul), o Albergaria e o Condeixa (respetivamente 3º e 4º da Série Norte). Todas estas equipas, com recursos modestos disputam o apuramento de campeão tendo, por isso, já garantida a sua manutenção no escalão principal. Nas outras 5 equipas que disputam o apuramento de campeão estão os 4 mais fortes candidatos, o Benfica com 10 estrangeiras, o Famalicão com 10 estrangeiras, o Braga com 8 estrangeiras e o Sporting com 5 estrangeiras. Resta o Torreense, com poucas ambições ao título mas com 8 estrangeiras (!!).

Mas o que causa maior apreensão são as restantes 6 equipas que disputam as duas séries de manutenção: o CADIMA (10º da série Norte), plantel de 18 jogadoras, com 4 estrangeiras mas todas da Guiné-Bissau; o Damaiense (6º da série Sul), plantel de 23 jogadoras, com 4 estrangeiras (EUA, Espanha, México e Roménia); o Boavista (7º da série Norte), plantel de 26 jogadoras, com 6 estrangeiras (5 EUA, 1 Espanha); o Valadares Gaia (5º da série Norte), plantel de 26 jogadoras, com 9 estrangeiras (5 Brasil, 1 Uruguai, 1 Argentina, 1 Venezuela, 1 EUA); o Atlético Ouriense (8º da série Sul !), um plantel de 35 jogadoras (!), com 10 (!!) estrangeiras (6 Brasil, 1 Quénia, 1 Moçambique, 1 Gana, 1 Paraguai); o A-dos-Francos (10º! Da Série Sul) plantel de 25 jogadoras, com 10 (!!) estrangeiras (6 Brasil, 1 Ucrânia, 1 Moldávia, 1 Gana, 1 França). Todos estes plantéis, (com exceção talvez do plantel do CADIMA) são plantéis completamente desajustados da sua realidade competitiva, particularmente em época de pandemia, onde os jogos se disputam sem público e é muito duvidoso que os das Séries de Manutenção tenham sequer transmissão televisiva.

Alguns dos que descerem (e lembro que serão 6) terão imensa dificuldade em recuperar o investimento feito. Algo que se teria evitado com a adoção de um quadro competitivo mais reduzido (12 equipas para descerem 4 e subirem 2 e em 2021/2022 ficava o quadro principal fixo em 10 equipas). Como entretanto está suspensa a prova na segunda Divisão, sem que se antecipem grandes possibilidades da sua conclusão, antevejo mais uma luta de Secretaria para definir os quadros competitivos da próxima época. Além disso, não teria sido mais avisado negociar com a LPFP a obrigatoriedade das equipas da 1ª Liga possuirem equipas femininas até 2023/2024? Só a entrada do Porto e do Guimarães iriam constituir um impulso assinalável na visibilidade do FF em Portugal e aumentar a sua competitividade e capacidade de se expandir e melhor sustentar.

E não seria assertivo explicar se e como estão a aplicar os generosos recursos e programas que a FIFA coloca à disposição das suas 112 Federações-membro para estas promoverem o desenvolvimento do Futebol Feminino nos respetivos países? E que tal esforçarem-se por preparar o alargamento sustentado de competições de Formação dos sub-13 aos sub-19 a todas 22 Associações membro da FPF, mesmo que a implementação de alguns dos escalões obrigue a co-organização Associativa? Ou aplicar a maioria dos recursos financeiros e técnicos disponibilizados pela FIFA para, após protocolar devidamente com o Ministério da Educação, desenvolver um Programa Nacional de Futebol Feminino no Desporto Escolar?

Temos uma FPF com bastantes recursos financeiros, com acesso a mais recursos e programas específicos da FIFA e da UEFA, com orientações estratégicas para o desenvolvimento do FF muito bem definidas por esses organismos, mas que parece ainda não ter absorvido todos os indicadores do enorme potencial de expansão do Futebol Feminino e apenas ser capaz de replicar neste os péssimos exemplos nacionais do Futebol Masculino.

Termino com outro bom exemplo do “quadro competitivo” em que nos encontramos. 3 dos 4 jogos da 2ª Jornada da Série de Apuramento de campeão disputaram-se a 23 e 24 de Janeiro; o Braga vs Condeixa ficou para 10 de Março . Só 1 dos 4 jogos da 3ª jornada se jogou a 31 de Janeiro; o Torrense vs Albergaria ficou para 14 de Fevereiro, o Benfica vs Braga para 21 de Abril e o Sporting vs Marítimo para 19 de Maio; a Jornada 4 tem os seus 4 jogos agendados para o próximo fim de semana; a jornada 5 tem o Abergaria vs Braga agendado para 7 Março, o Sporting vs Condeixa para 14 de Março e os outros 2 jogos ainda nem têm data marcada; na jornada 6, o Sporting vs Braga está marcado para dia 14 de Março, o que coincide com a data de adiamento do Sporting vs Condeixa da jornada anterior. Alguém é capaz de perceber a realidade competitiva (ou a verdade desportiva) subjacente a este nível de adiamentos de jogos? Em Fevereiro quase não se joga? Jogos que já deviam estar jogados adiados para Março, Abril e Maio? Alguém consegue explicar porque não existiu já uma negociação centralizada com uma operadora para a venda dos direitos televisivos de todos os jogos da Série de Apuramento de Campeão (4 jogos por fim de semana com uma competitividade já interessante) e com a consequente viabilização de introdução do VAR nessa Série? Porque é que apenas alguns desses jogos são transmitidos e apenas no canal da FPF (canal 11 ou nos canais de Clubes)?

Voltaremos a estes e outros assuntos em posts futuros porque, no próximo fim de semana, a bola já mexe de novo com um Clube Albergaria vs Sporting às 15h00m (hora de Continente e Madeira), do dia 6 de Fevereiro (isto, se não houver qualquer adiamento).

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!