MF – Clubismos à parte, que sentimentos desperta este sucesso do Sporting num treinador de formação quando vê uma equipa ganhar com uma aposta quase desprendida em jovens?

RP – É a prova de que às vezes não é por ir buscar fora que se traz melhor. E às vezes tapa-se o lugar a um miúdo destes, o que não deveria acontecer. Mas deixa-me satisfeito também porque o Ruben veio quebrar umas quantas etiquetas: porque este é um país de etiquetas. Como o Abel Ferreira. Malta com menos experiência que até passou pela formação e que mostra que isto tem muito a ver com talento. O jogador tem a ver com talento e o treinador tem a ver com talento. A mim já me perguntaram: ‘A experiência é fundamental para si?’ Não foi no Equador. Foi a experiência que acumulei a ensinar durante anos, a passar o jogo e a fazer evoluir os jogadores. A experiência de primeira liga do Equador era zero para mim e isso não foi problema para sermos campeões. Isso tem a ver com talento.

MF – (…)

RP – Em Portugal, eu fui recusado em equipas da primeira liga porque diziam que eu não tinha ‘relva’.

MF – Relva?

RP – Não ter relva é não ter experiência. Então pronto, tudo bem! É perfeitamente legítimo terem esta posição, atenção! Mas depois aparecem os Rubens, os Abeis Ferreiras e outros que fizeram o seu caminho, que não têm tanta experiência e mesmo assim dão as provas que estão a dar.

MF – Essas são as etiquetas mais difíceis de arrancar no futebol português?

RP – Sem dúvida! As do treinador da formação. Que está farto de ganhar e de apresentar bons trabalhos, mas depois acha-se que as equipas dele só jogam bem porque jogam contra meninos. Vou dar o exemplo de um dos melhores treinadores de todos os tempos: é evidente que foi jogador, mas o Pep Guardiola nunca tinha sido treinador na vida, chegou, pegou no Barcelona B e subiu a equipa. Depois, tomou conta da equipa A, perdeu os três primeiros jogos e a partir daí foi o melhor treinador da história do Barcelona. Tinha experiência? Tinha talento, capacidade! Em Portugal há esta mania: ‘Tem de ter experiência’. Mas eu pergunto: ‘Quem decide e escolhe treinadores também tem experiência?’ Vamos fazer aqui um scan a presidentes e a diretores que escolhem treinadores: será que eles têm experiência de futebol? Se calhar não… E por isso é que ao fim de dez jornadas já há oito ou nove despedimentos de treinadores. E no Equador, que já me disseram que é no ‘terceiro mundo’, despediram-se três treinadores em 30 jornadas. Afinal, onde é que é o terceiro mundo?

MF – Há dirigentes sem uma visão clara do que se pretende para o futebol da equipa?

RP – Em Portugal escolhe-se assim: ‘Agora quero um treinador que saia a jogar de trás’. Três derrotas: ‘Afinal agora é melhor ir buscar um treinador que jogue direto’. Mas não é toda a gente e não quero generalizar! Portanto, a maior etiqueta é a do treinador da formação, que como treina meninos não tem experiência. Como é que alguém é experiente se não for lançado às feras e se não passar à prática?

 

excerto da entrevista de Renato Paiva ao Mais Futebol