Imagino que 100% das pessoas que me estão a ler agora, o façam em silêncio, de boca fechada. Uma naturalidade básica de constatar em 2022. A verdade é que, no séc. IV, lia-se sempre em voz alta. Um dia, Agostinho, o santo, foi visitar com Ambrósio, outro santo. Ao encontrá-lo surpreendeu-se com o que fazia: “Quando ele lia, seus olhos perscrutavam a página e seu coração buscava o sentido, mas sua voz ficava em silêncio e sua língua era quieta.”

Aquilo que damos como adquirido hoje, a história mostra que já foi algo inovador, disruptivo, diferente, impactante, ímpar. Depois do jogo com a AJM/FC Porto lembrei-me desta história. O Sporting CP está a ir contra aquilo que é normal e, ao que parece, está a incomodar à séria. Será preciso recuar a 2013 para ver alguma equipa fora do Norte a ser campeã, foi o CD Ribeirense, e uma equipa de Lisboa campeã parece-me que recuamos a 1991 com o CR Estrelas Avenida. O aparecimento, A PARTIR DO ZERO, no voleibol feminino e nivelar o campeonato é uma ousadia ao poder. O Sporting CP apareceu a ler em silêncio na época 2021-2022. As nossas vitórias já mexem com o estado de espírito geral das jogadoras e dos adeptos rivais (a maioria do futebol). Ora, parece que estamos no bom caminho! Nem vou entrar nas polémicas. Evidentemente que, quando há rivalidade entre equipas com muita qualidade, a emoção também toma conta das pessoas. Não são robots. Há limites e esses devem ser geridos pela FPV, Sporting CP e AJM/FC Porto caso assim o entendam. Agora, seguimos para o jogo.

 

Vencemos, mais uma vez, a AJM/FC Porto. Nesta fase foram 2 jogos e 2 vitórias. O significado disto não é assim tão impactante. Claro que ganhamos um certo ascendente psicológico, mas facilmente ultrapassável pelo adversário. Elas têm uma equipa muito forte também. A maior conclusão a tirar é que, como disse o treinador Rui Costa, lutamos com as mesmas armas. Coisa que não acontecia até há bem pouco tempo, leia-se dezembro. O jogo foi muito intenso, tática e tecnicamentemente bem jogado. Ambas as equipas precisaram de mexer um pouco o seu plano de jogo dado que, ao contrário do embate anterior, jogaram a Ana Gamboa, Amanda Cavalcanti e a Bárbara Gomes. Aproveitando também a vitória que tivemos no domingo, com o Porto Volei, será mais interessante no artigo de hoje, afinar o olhar na nossa equipa. Não indo tanto ao jogo em si, gostava de destacar 3 pessoas neste fim de semana. Possivelmente serei injusto para a maioria das atletas, e para o treinador Rui Costa, mas esta semana vamos por aqui.

 

A primeira pessoa a destacar é a Amanda Cavalcanti. Eu já achava que seria um caso sério se continuasse a evoluir ao ritmo que estava. Confirma-se. Apareceu a titular contra a AJM/FC Porto. Que bem que jogou. Muito bem no bloco, muito atenta e rápida à distribuição da passadora da Ana Couto ou Aline Delsin. No ataque, deu um ponto de escolha interessante à Ju Carrijo e ainda, com uma destreza impensável para quem tem 1,90, chegava a bolas com um grau de dificuldade altíssimo. No jogo de domingo foi igualmente muito bem. Só uma grande Amanda permitiu o regresso de uma excelente Aline Timm. O regresso ao jogo da Aline estava comprometido em qualidade. Substituíram-se bem porque a Amanda esteve excelente e Aline continuou o bem que foi feito. Por isso, primeira palavra é para a jovem Amanda Cavalcanti! Disseram-me que a família Cavalcanti estava nas bancadas do PJR e devem, mesmo, ter saído de lá com um grande sorriso de orgulho. TEMOS JOGADORA!

 

Uma pequena contextualização de curto prazo. Desde o início de janeiro o Sporting CP teve 8 jogos, 7 adversários, 31 sets jogados, 3 jogos a 3-2 de duração aproximada de 2 horas e meia. Neste tempo, por exemplo, a Ju Carrijo jogou 100% do tempo e outras jogaram quase sempre também. Houve pós-covid, tivemos picos de esforço, jogos em pavilhões frios que são “ótimos” para lesões. Foram 7 adversários diferentes, 8 sistemas táticos diferentes e foram muitas horas de adversários por estudar. Disto tudo saiu um total de 0 lesões e 1 derrota. Vamos afinar o olhar agora?

 

Mafalda Botelho

A responsável pela preparação física da equipa é um pilar vital deste sucesso. O contexto dado já serviria para o elogio, mas vamos mais longe. A Mafalda é uma estudiosa da condição física humana. Entender o limite do corpo “do outro” ao mesmo tempo que se trabalha a motivação é o segredo do sucesso. Segundo parece, domina ambas. Cada modalidade tem as suas especificidades quanto aos músculos a trabalhar. É muito fácil comprometer o corpo de um atleta com uma carga errada ou um trabalho desequilibrado de músculos críticos no voleibol. Os resultados estão à vista e comprovados. A resistência física e intensidade de jogo, seja de que jogadora for, tem-nos também permitido estar bem até ao final de cada jogo.

Além disso, ainda há uma imagem que queria partilhar. Num jogo contra o Leixões SC no ano passado, ainda à porta fechada, a equipa de Matosinhos tinha vários adeptos na bancada. Do nosso lado estava a Mafalda. Recordo-me bem de a ver, sozinha, na bancada com uma garrafa de água vazia a bater barulho no nosso serviço. Aquela bancada de Matosinhos nunca mais se vai esquecer daquela garrafa de água. É uma leoa sem medo e com um sentido de equipa vincado.

 

Maria Dias

No voleibol há um scout. Há alguém está a fazer estatística ao mesmo tempo que o jogo está a decorrer. É uma função extremamente exigente, ao mesmo tempo que é muito importante. Apesar do voleibol ser uma modalidade onde a parte estatística está bastante desenvolvida através de um programa chamado DataVolley, a verdade é que a inserção de dados é manual. Cada ação do jogo é catalogada na hora e no momento. Espreitem, no próximo jogo, lá no fundo de campo, ali estará ela. Passo-vos, também, um pouco da dificuldade disto com um exemplo de uma jogada de um jogo:

– O nº 15 serviu em suspensão da zona 1 para zona 5. Houve uma receção do número 12 condicionada (não perfeita). O adversário nº 14 atacou de zona 2, para zona 3 (amorti) e o número 6 blocou e continuou jogo. O adversário 12 atacou de zona 4 para zona 5 e fechou o ponto com sucesso.

Esta brincadeira para a Maria Dias seria:

– 15SQ15.a12! a14C63!.6 a12V55#

Durante o jogo com o Porto Volei, estive a ver um pouco daquilo que se passa. É de uma exigência enorme. Estes dados são fundamentais para se perceber as tendências de determinada jogadora, como joga uma equipa a partir do momento crítico dos 20 pontos num set, para onde passa a distribuidora em situação de bola longe da rede, etc, etc. Tudo estudável desde que haja uma Maria Dias a bater nas teclas do teclado. Para além do jogo são muitas horas a “arranjar” o código porque, claro, há falhas. E muitas mais horas a estudar comportamentos. Uau!!

Deixo-vos um cheirinho, bem curto, do trabalho fantástico que ajuda (e muito) às vitórias.

 

 

Esta semana é para tentar afinar o olhar para quem tem muita importância, mas não se nota tanto. A bela foto tirada pela Isabel Silva, que serve de capa, diz isso mesmo. Aparecem todos., todos contam. Continuemos a sonhar e uma boa semana a todos. Desejo-vos, igualmente, que a Ju Carrijo um dia olhe para vocês como olhou no Sábado para a Amanda.

 

 

SOMOS DA RAÇA QUE NUNCA SE VERGARÁ.

 

 

Nota Final: Nos seniores masculinos teremos jornada dupla no próximo fim de semana por isso a próxima terça-feira será uma boa ocasião para nova análise profunda. Para já ficam os números assustadores da época: 10 derrotas – 3 vitórias em 8 jogos nesta 2ª fase – No jogo contra a AJ Fonte Bastardo fizemos 3 blocos.

 

*quando vê uma aberta no meio campo adversário, o Adrien S. puxa a bola bem alto e prega-lhe uma sapatada para ponto directo.