Do céu ao inferno, com direito a bilhete de volta mesmo em cima do apito final. Jogo de emoções fortes no Tottenham Stadium, com o Sporting a mandar na primeira parte, a sofrer na segunda e a terminar transformando um momento de desespero num sopro de vida a que terá que agarrar-se com todas as garras 

Quando Eddie Vedder escreveu a letra de Alive, um dos hinos dos Pearl Jam, a banda estava à procura de vocalista. Eddie demorou 12 horas a escrever e a colocar a letra sobre a demo teste que lhe tinham passado, transformando a sua história – ter descoberto que o seu pai era, afinal, o homem que o tinha criado depois da mãe deixar o pai biológico quando Eddie tinha apenas um ano – no passaporte para se tornar vocalista de uma das mais importantes bandas da história da música.

Acontece que, à medida que os Pearl Jam iam esgotando concertos e tocando a Alive, a reacção do público alterou completamente o sentido da canção. Aquilo que representava um momento chocante para Eddie, era entoado em tom de celebração por quem o ouvia, gritando ao mundo “estou viv@!”, e, ontem, o Sporting terminou a batalha do Tottenham Stadium como se fizesse parte desse público.

Confesso-vos que perdi a conta à quantidade de coisas que me passaram pela cabeça quando o Kane meteu a bola dentro da baliza. Penso, no entanto, que a palavra “injustiça” era aquela que mais vezes surgia, embora nestas coisas do futebol a justiça seja algo muito relativo e o Tottenham tivesse feito uma segunda parte onde enfiou o Sporting junto ao canto do ringue e foi disferindo golpes dos quais os Leões se defendiam como podiam. Mas, na primeira, enquanto teve pernas e oxigénio no cérebro, o Sporting fez uma enorme exibição no White Hart Lane que assim já não se chama, mas que tem mais pinta assim chamado.

Conte abdicou do 3-5-2 que tinha vindo a implementar no pós Alvalade, Amorim mascarou o seu 3-4-3 precisamente num 3-5-2 onde Paulinho descia muitas vezes para ser uma espécie de falso 10 que procurava dar liberdade a Edwards e a Trincão. Deixando no divã do psicólogo as derrotas com o Marselha, o Sporting tomou conta do jogo, defendendo bem (só a presença de Coates é meio caminho andado para isso acontecer), recuperando bolas bem altas (que monstro és, Ugarte) e tendo em Paulinho o melhor Paulinho que se viu em longos meses, ao qual só faltou o instinto assassino quando Porro (Pedro, Pedro, Pedro, que jogador és, mesmo com aquela paragem cerebral antes de eu quase ter morrido de coração) cruzou e o mundo parou a ver a bola subir meio metro acima do que devia subir, depois de ajeitada pelo camisola 20 que já se preparava para mostrar os dentes.

Antes disso, já Coates tinha subido mais alto do que todos, num canto, e deixado o primeiro aviso. Depois disso, Ugarte baixou para junto dos centrais e fez um passe a la Magic Johnson, olhando para um lado e metendo a bola tensa, sem ponta de tremeliques, ali pelo ribeirinho entre pés adversários, até ao pivot Paulinho, mudança primeira para as que Edwards foi engatando a seguir, fugindo à tentativa de falta, deixando toda a gente a pensar que ia meter em Nuno Santos, mas acabando por decidir, depois de correr meio campo, que o melhor era chutar forte e colocado, dizendo à bola para passar junto ao poste como se passa junto ao cabelo de quem se gosta, só para cheirar. Bolaça do inglês!

O Tottenham reagiu pouco, que o Sporting não deixou, e quando o fez Adán saiu de carrinho aos pés de Lucas Moura e disse-nos a todos que o redes de ar zangado que podia ser personagem de um western clássico estava pronto para o que aí vinha, ou quase, que ninguém estava à espera que Coates fosse a casa dos ingleses tentar marcar um golo à Maradona, não o “barrilete cósmico”, mas aquele com a mão divina que, nos dias que correm, levaria uma reprimenda bíblica do VAR.

Por falar em VAR, parágrafo mais do que merecido para Danny Makkelie: que arbitragem do caray! O que o holandês fez foi do melhor que já vi, com o extra de ter na tecnologia alguém de idêntica qualidade. Luxo!

Ora, enquanto falávamos sobre o sr. Makkelie, começou a segunda parte. E tudo mudou, mais ou menos a partir dos 51, quando Bentancur foi por ali fora, entrou na área com toda a gente a ter medo de mandá-lo abaixo, e meteu para a marca de penalty: Adán primeiro, Coates depois, deram o corpo às bolas, antes da terceira ser disparada para a bancada. Estava dado o mote e começavam a surgir as figuras da resistência. Adán, Coates, Inácio (ui, se o teu apelido fosse Silva…), Porro, Ugarte (este, até quase cair para o lado de tanto correr).

Os Leões foram desaparecendo ofensivamente, primeiro porque raramente conseguiam meter a bola nos homens da frente, segundo porque estes iam dando o berro fisicamente. Paulinho, ainda a ganhar ritmo depois do regresso da lesão, deixou de ser referência e mal pressionava, Edwards foi-se perdendo na responsabilidade de ter mais que defender do que de atacar, Trincão é, provavelmente, o jogador que mais me irrita, pela falta de sangue nas veias que demonstra.

Nuno Santos esgotado e Morita tocado, saíram para dar lugar a Nazinho e Mateus Fernandes, com os putos a serem atirados em jogo de alta pressão. Depois, Arthur Gomes e Fatawu entraram para os lugares de Trincão e Edwards, antes de St Juste ser chamado para o lugar de Paulinho, na tentativa de Amorim estancar o buraco que estava a ser Nazinho como defesa/ala esquerdo. Mesmo continuando a estar quase sempre enfiado no seu meio campo, mesmo continuando a ver Adán defender (aquele a uma mão, junto ao poste… pintarola!), o Sporting esticou-se quando teve Arthur, Fatawu e Nazinho na frente, com Porro a ter pilhas para ir ajudá-los sempre que podia.

Foi em dois desses espasmos a irreverência pintados, que os Leões podiam ter acabado com o jogo. Arthur arrancou da direita para o meio e deixou Nazinho na cara do redes. Apertado, e tendo que resolver com o pior pé, o puto permitiu a defesa ao redes francês. Depois… depois é um falhanço inacreditável, numa jogada que começa com um passe brutal de Arthur a partir todo o posicionamento da defesa e a lançar Porro, em diagonal, para remate forte do espanhol. A bola é defendida e vem para o meio da área, onde está Nazinho, e quando todos nós já gritamos golos e nos preparamos para agarrar a pessoa que estiver mais perto, o miúdo viu a baliza transformar-se em baliza de hóquei e atira a bola para fora! Fo-da-se!

Ora, já sabemos como é, não sabemos? Não matas… levas um golo. Até pareceu falta sobre Adán, mas depois percebe-se que o redes vai atrasado à bola e quando vê que não lhe chega simula ter sido carregado. Mais uma boa decisão e o jogo empatado a dez minutos do fim. A partir daí, foi sofrer ainda mais, com Dier a ter uma, duas, três oportunidades claras de marcar, mas ou a cabecear mal ou a chegar atrasado, o Sporting completamente amarrado, os putos a serem putos e a mostrarem ansiedade, mesmo que Fatawu tenha ensaiado uma das bombas que hão-de fazer-nos muito felizes e aliviado a pressão durante dois minutos.

Vieram mais cinco de compensação, a resistência mantinha-se, os alemães ganhavam aos franceses no outro jogo e tudo ficava adiado para Alvalade. Faltavam 30 segundos, a bola é nossa, já perto da área, Porro está com ela e tem alguém aberto à direita. É só segurar, mas ele resolve chutar, dando aos ingleses uma última oportunidade para ainda tentar.

Confesso-vos que perdi a conta à quantidade de coisas que me passaram pela cabeça quando o Kane meteu a bola dentro da baliza. Penso, no entanto, que a palavra “injustiça” era aquela que mais vezes surgia, embora nestas coisas do futebol a justiça seja algo muito relativo e o Tottenham tivesse feito uma segunda parte onde enfiou o Sporting junto ao canto do ringue e foi disferindo golpes dos quais os Leões se defendiam como podiam. Mas, na primeira, enquanto teve pernas e oxigénio no cérebro, o Sporting fez uma enorme exibição no White Hart Lane que assim já não se chama, mas que tem mais pinta assim chamado.

E então, quando percebemos que o tal do Sr. Makkelie está a apontar para o nosso lado, a angústia vira festejo, as lágrimas de tristeza viram lágrimas de felicidade e, com o Eddie em palco a olhar para nós,  transformamos a maldição num grito de esperança.

I… oh I’m still alive
Hey, I, oh I’m still alive
Yeah, I, oh I’m still alive