Por motivos óbvios, a crónica do Sporting 3-0 Sturm Graz ficou por escrever. A música, essa, seria a que dá título ao post, assinalando uma bela vitória num dia triste.

Deixo-vos, no entanto, a crónica escrita no Expresso, que além de merecer ser lida, conta bem o que se passou em campo.

 

O dia em que Inácio fez mais golos do que Gyökeres

O central esquerdino foi suplente, entrou ao intervalo e foi a tempo de marcar dois golos na vitória do Sporting, por 3-0, contra o Sturm Graz para a Liga Europa, nas vésperas do clássico com o FC Porto. Viktor Gyökeres fez o primeiro golo dos lisboetas

No futebol profissional não há jogos a feijões. Todos, todos os dias, os jogadores têm de convencer o treinador e os companheiros. O respeito ganha-se por gestos e compromissos diários. Num clube enorme isso ainda é mais verdade, porque jogar pode ter tanto de justiça como de privilégio. Nesta floresta de seriedades, Viktor Gyökeres é como aquele amigo que todos temos, que não tira o pé e não abranda, seja num jogo contra os virtuosos e jovens atrevidos que aparecem por ali, seja contra alguém que não toca no berlinde há décadas.

Rúben Amorim avisara na véspera que não havia folgas. Apesar das sete alterações no 11 relativamente ao último jogo, o panzer sueco foi mesmo convocado para agitar as águas logo desde o primeiro minuto contra o Sturm Graz, os austríacos que perderam esta noite em Alvalade, por 3-0, com golos de Gyökeres, pois claro, e um improvável bis de Gonçalo Inácio. O tal compromisso explosivo e tão belo de Viktor é ainda mais admirável quando o calendário dá conta de que estamos a meros quatro dias do clássico contra o FC Porto, em Alvalade. Há jogadores assim, que precisam de jogar para estar bem, que precisam de marcar golos para ter noites em paz.

Nuno Santos, o candidato a golo Puskas com aquela letra mágica ao Boavista, foi o primeiro a ameaçar a baliza de Scherpen. Foi uma grande defesa do guarda-redes visitante. Do outro lado respondia, eletricamente, Seedy Jatta. Era um Sporting desconectado. Seria assim por muito tempo, apesar de ter mais bola. Esgaio e Trincão não se entendiam. Francisco Trincão não se encontra a ele próprio. Coates e Neto também viveram um momento em que estavam noutra frequência. Israel e Neto, idem. Até a popa impecável de Gyökeres deixou de estar impecável. Os cortes eram atabalhoados. Havia confusão. É certo que a equipa ressacava da ausência calculada de Diomande e Inácio, mas mesmo assim era curto o que ia rolando no relvado de Alvalade. A agressividade dos austríacos merece nota de destaque, pois nem tudo é demérito lisboeta, que ia somando faltas e mais faltas.

“Estamos à espera de um adversário muito pressionante”, profetizou Amorim na véspera. “O Sturm Graz tem jogadores fortes fisicamente, muito rápidos na frente e acho que nos vão pressionar desde o primeiro minuto e nós temos de ter a capacidade de sair a jogar”, avisou o técnico. Acertou em quase tudo, menos na capacidade da sua equipa para ir derretendo o pressingalheio.

As boas notícias viviam na liderança de Sebastián Coates e nos pés de Daniel Bragança, que ia ganhando quase todos os duelos em que investia e que mantinha a bola redondinha. Também pelo lado esquerdo acontecia algo, com Nuno Santos, o senhor Puskas, a falar o mesmo idioma do que Matheus Reis, o central pela esquerda que, já se sabe, muitas vezes sobe como se fosse um lateral.

Gyökeres, apesar de solidário e disponível, não recebia a bola em posições de vantagem. Até que os tais rapazes da esquerda combinaram com uma categoria imensa e Matheus Reis, como o rei, driblou o rival de negro, eventualmente de luto pelo sucedido, e passou para Viktor Gyokeres fazer o 1-0. E o Sporting melhorou, aniquilando praticamente qualquer ideia do adversário, o segundo classificado da Liga Austríaca. O até aqui mais ou menos desligado panzer sueco acordou e logo a seguir disparou numa correria no seu jeito, numa jogada que culminou com um cabeceamento seu ao poste. Tremendo futebolista está aqui, supostamente cobiçado por gigantes da Premier League.

“Ele tem ainda muita coisa a melhorar”, avisou Amorim no lançamento do jogo, um mago na arte do beijar a testa e puxar a orelha dos seus jogadores. “A forma como ele ainda não sabe se é para ir para a frente ou se tem de temporizar o jogo, a ligação com os colegas… tem margem ainda.”

A segunda parte não trouxe um jogo espectacular, mas houve mais controlo do Sporting, que viu o treinador colocar vários titulares, como Morita (é sempre um regalo vê-lo…), Edwards e Gonçalo Inácio, o tal central canhoto (muito fino) que meteu dois golos. Amorim testou ainda Essugo à direita, para eventualmente dar descanso aos músculos de Ricardo Esgaio, um jogador que realmente vai demonstrando debilidades no seu jogo. Paulinho, após a saída do 9 ao intervalo, passou para ponta de lança.

Os quase 25 mil adeptos no Estádio Alvalade (menos os muitos austríacos) já tinham a barriga cheia e provavelmente só desejavam que ninguém se magoasse. O FC Porto alcançou o Sporting na liderança da Liga e o jogo de segunda-feira promete ser daqueles quentinhos. Sobre o que vem aí, com os dragões, Rúben Amorim também deixou uma reflexão.

“Jogar num clube grande tem muitas coisas boas, mas também não há dias de folga e estamos sempre a ser julgados pelo último jogo”, alertou a sua rapaziada. “Os jogadores já sabem que eu de um dia para o outro posso mudar de opinião porque um treinou muito bem, por isso está nas mãos deles, digo que são eles que fazem os onzes. Às vezes há dois da mesma posição que merecem e é injusto. Temos muito para melhorar, a capacidade defensiva, pressão, capacidade de jogar entrelinhas, que já tivemos e perdemos um pouco, a capacidade de ler os momentos do jogo, quando não podemos sofrer golos. Temos de aproveitar este jogo e depois teremos tempo para preparar os outros”.

Missão cumprida na Liga Europa, embora o segundo lugar atrás de Atalanta possa significar rivais em Alvalade como Feyenoord, Shakhtar e AC Milan. Venha o clássico, que vai decorrer depois na noite de segunda-feira, numa altura em que já será conhecido o fado europeu dos leões.