Parece que foi há uma eternidade. Final de tarde, Alvalade quase cheio, um leão branco no relvado, uma festa do caraças. Era a apresentação do Sporting 11-12, treinado por Domingos e carregadinho de estrelas. O adversário escolhido para esse final de tarde foi o Valência, que acabaria por estragar o momento ao ganhar por 0-3, despertando bipolaridades tão típicas que já faziam o funeral a reforços como Onyewu.
No meio do turbilhão de emoções, um puto, peruano, entra a dez minutos do fim. E dá-me os poucos motivos de satisfação que resultam desse jogo. Despreocupado, jogando como se estivesse na rua, Carrillo, assim se chama o tal puto, trouxe sangue novo e vontade de arriscar a finta. Rematou. E pareceu-me ver ali tiques de Nani e de Quaresma.

O tempo foi passando e Carrillo tão depressa mostrava ser esse jogador cheio de potencial, capaz de ocupar um lugar entre os maiores, como parecia passar ao lado dos jogos. Escolha intermitente dos treinadores que iam passando por Alvalade, tão vítima quanto tantos outros de uma política que conduzia o clube em modo Titanic, Carrillo passou três épocas entre o «é agora que vai explodir» e o «este gajo é uma merda e só quer noitadas! É despachá-lo!». E o jogo que encerrou a época passada, precisamente contra o Estoril de Marco Silva, foi, provavelmente, o mais penoso desde que se estreou com a camisola verde e branca: ainda durante a primeira parte, Leonardo Jardim resolve entregar, de bandeja, a cabeça do extremo a todos os que o apupavam desde o aquecimento. Enquanto mandava o treinador para o caralho por tão gritante falta se senso, eu desejava que Carrillo fosse capaz de querer continuar.

Perguntam-me vocês: mas porque raio é que tu gostas tanto do Carrillo. Simples: porque, para mim, futebol é mais do que afagar as partes baixas à conta de um fantástico duelo táctico. Gosto, obviamente, de aproveitar a vista da bancada para observar como as equipas se movimentam, como ocupam os espaços e como procuram conquistá-los; mas gosto mais, ainda mais, daqueles momentos em que um jogador se esquece das amarras tácticas e recupera a génese do futebol. Uma finta, uma aceleração, um remate surpreendente. E Carrillo é tudo isto.

A pergunta que se coloca é: sendo tudo isto, o que é que Carrillo quer, afinal, ser? Porque tudo depende dele. Fisicamente capaz de aguentar o choque, com uma velocidade bem acima da média (tanto no arranque como no prolongamento da passada), capaz de jogar em ambos os corredores, evoluído tecnicamente como poucos em Portugal, dono de um fortíssimo remate de meia distância (as suas diagonais são excelentes) e com o extra de ser o extremo que, no nosso futebol, melhor surge em zonas de finalização – nas costas do ponta de lança – respondendo a lances aéreos (o golo em Coimbra, há dez dias, é exemplo disto). Este é Carrillo. O Carrillo que pode fazer toda a diferença no Sporting. O Carrillo que, com a chegada de Nani, já tem um parceiro para dinamitar as alas.

Correndo o risco de ficar zerado, coloco todas as minhas fichas neste Carrillo. Aquele Carrillo que, quando muitos acenavam com a sua saída, foi lá acima meter o golo nos pés de Tanaka. Aquele Carrillo que, em Coimbra, foi o homem do jogo, não só pelo lado estético, mas pela forma como se entregou, sendo, por exemplo, o primeiro homem a correr em direcção ao meio-campo adversário para pressionar, quando afastávamos a bola em cantos ou livres. Chamem-me exagerado, mas se esta for (finalmente) a época de Carrillo, será um trunfo enorme para que seja, também, a época do Sporting.

 

* «tens prá troca?» é uma colecção de autocolantes virtuais à moda da Tasca, que nunca perdem a cola mas que também não dão para colar