De cada vez que recordo o vendaval que foi o nosso futebol após o primeiro golo, não consigo deixar de imaginar o que poderia ter sido este jogo caso Nani, ainda alguns se ajeitavam na cadeira, não tivesse falhado um golo de forma impossível. Não marcou e isso acabou por conduzir-nos para uma primeira parte dominante, sem dúvida, mas mais lenta de execução e de ideias. Se nesse lance o cruzamento de Carrillo saiu redondinho, no que restou dos primeiros 45 minutos as bolas metidas na área, quase todas tendo como origem o pé esquerdo de Jefferson, pareciam gestos destinados a enviar a bola para a linha de fundo de um campo de voleibol. André Martins não conseguia pautar o ritmo da equipa e João Mário acabava por sentir falta de alguém que o ajudasse a colar meio-campo e ataque. Com Nani e Carrillo em rotações mais baixas e um Slimani apostado em recordar-nos que, volta não volta, aqueles pés parecem duas mesas de cabeceira, o tempo foi passando sem que surgisse o tal desejado golo, fundamental quando se joga contra equipas cujo único pensamento é defender (inacreditável como o Penafiel chegou a ter todos os homens da defender atrás do círculo de meio-campo).

Se a isto juntarmos o facto de termos deixado o William a descansar, na Academia, levando um clone que falha quase todos os passes e termos sido brindados com a presença de um árbitro do Porto (num jogo realizado nos arredores do Porto, contra uma equipa satélite do fcp) que foi capaz de transformar todas as nossas recuperações de bola em zonas perigosas para o adversário, em faltas contra nós (e em amarelos patéticos), temos os ingredientes para uma primeira parte pouco conseguida (pese algumas boas movimentações junto à entrada da área) e que deixou inúmeros espíritos leoninos inquietos. Devo, no entanto, sublinhar, algo que, enquanto adeptos de futebol ao longo de uma vida, já devíamos ter percebido: não é fácil, na ressaca de dois jogos do caraças – fcp e Chelsea – os jogadores surgirem com a mesma intensidade. Podem dizer que são profissionais e que têm mais é que olhar para todos os adversários da mesma forma, podem dizer que o treinador é que tem que ser capaz de motivá-los, podem dizer o que quiserem. A realidade é que não é fácil manter esse ritmo e essa intensidade (e se há por aí quem tenha jogado à bola, ainda o saberá melhor).

Marco Silva tardou alguns minutos em fazer as substituições que eu teria feito logo ao intervalo: Martins e William out, Adrien e Montero in. Sem inventar, sem preocupações, até porque o Penafiel só criava perigo quando aquele nanico chamado Aldair resolvia mandar-se para o chão e permitir ao árbitro mostrar mais um amarelo. O que se seguiu, foi natural: o meio-capo ganhou velocidade de raciocínio e de execução; o ataque ganhou uma unidade capaz de desequilibrar completamente na entrelinha que se mantinha descansada, entre a defesa e o meio-campo penafidelense. Com um quinteto de artistas formado por Adrien, João Mário, Carrillo, Nani e Montero, o futebol passou a ser a coisa mais simples do mundo e até Jefferson resolveu fazer um daqueles cruzamentos teleguiados. Slimani não se fez rogado e levou à frente quem lhe apareceu pelo caminho, colocando a bola lá no fundo da rede.

O mais difícil estava feito e não tardou que Cédric resolvesse igualar o protagonismo do seu companheiro da esquerda. Abertura fantástica para a corrida da Slimani, que volta a esmagar no confronto físico e fuzila o guarda-redes. «Agora falta marcar o Montero!», pensei eu, pensaste tu, pensaram mais de três milhões de alma verde e brancas. E marcou, pois marcou, depois de já ter tido três movimentos fantásticos de recuar à posição dez e colocar a bola perfeita nos extremos. Slimani teve enorme movimento à entrada da área, deixou Capel liberto e este cruzou com a bola a tirar espigas à relva. Montero olhou para ela e deslizou ao seu encontro. E enquanto ele olhava para o fiscal de linha – afinal, é tão comum anularem-lhe golos – já todos nós apertávamos o abraço colectivo ao ritmo do «one, two, Fredy’s coming for you…». Mas se pensávamos que esta seria a cereja no topo do bolo, enganámo-nos. De novo pesadelo para quem o defronta, Fredy convidou Nani para uma dança perfeita e este não se fez rogado. Toma lá, dá cá, com os adversários à procura de bola uma bola que, com um toque de classe, só parou anichada na rede.

Era tempo de sorrir e de olhar para esta goleada como um jogo curioso. Um jogo onde acabámos por ser bem mais eficazes do que é costume. Um jogo onde Marco Silva voltou a ser o maior, mesmo para os que já o quiserem mandar de volta para o Estoril. Um jogo onde, quase sem se dar por ele, Paulo Oliveira, limpou todas as bolas que teve para limpar. Onde Jefferson respondeu a inúmeras críticas injustas, que já o fizeram viajar de melhor lateral esquerdo do campeonato a dispensável. Onde Adrien se riu de quem defende que deve aquecer o banco mais vezes. Onde Montero voltou a ser aquilo que, pelo menos para mim, nunca deixou de ser: um dos melhores jogadores que já vi vestir a camisola do Sporting. Um Sporting a quem, há poucas semanas, encomendaram as flores para a cremação e que, de jogo para jogo, vai dizendo a muito boa gente «as notícias sobre a minha morte foram manifestamente exageradas».