Luís Filipe Vieira (peço desculpa por começar assim) é um doutorado na arte de “virar a casaca”. São vários os exemplos que comprovam esta forma de estar do presidente do Benfica. A começar pela sua formação como dirigente desportivo, absorvendo, na primeira fila, todos os ensinamentos do presidente do Porto. Consta que bem cedo se afiliou aos 3 grandes, provavelmente numa ideia de assumir presidência do primeiro que lhe abrisse a porta. E foi sem qualquer pudor que fez do Alverca o seu trampolim, custando o fim de um clube simpático e histórico do futebol português. Se um dia alguém quiser analisar as contribuições de cada dirigente para o futebol português, creio que seria importante começar por aqui. Mas adiante…

Após o corte de relações e de toda a celeuma que isso provocou no futebol português, fiz uma retrospectiva sobre as relações entre os dois clubes desde que Bruno de Carvalho tomou as rédeas do Sporting.

Quando o presidente entra em funções, já eram conhecidas as boas relações entre o presidente da AG, Jaime Marta Soares, e o presidente do Benfica. Assistem juntos na tribuna ao primeiro derby em Alvalade e a relação navega em águas calmas mesmo após a capelada da temporada anterior já com o BdC em funções. Aliás, é neste jogo na Luz, o primeiro derby de BdC, que as hostilidades são abertas com uma arbitragem vergonhosa e classificada de “limpinho” por parte do treinador do Benfica. BdC responde dizendo que as declarações são “palermas”.

A primeira grande hipótese de conflito surge quando vamos ao estádio da luz, no ano seguinte, no célebre derby da lã de vidro. Bruno de Carvalho tinha a legitimidade e os argumentos jurídicos para penalizar o Benfica mas como é um tipo impulsivo, intransigente e intolerante, resolve dar o benefício da dúvida e a compreensão ao clube encarnado, aceitando jogar no dia a seguir e desistindo de efectuar uma queixa nas instâncias legais. A seguir, vem a Duartada na Taça de Portugal e uma série de péssimas arbitragens que colocam o Sporting arredado do título e o Benfica com uma vantagem pontual confortável que levou à conquista do troféu.

Entretanto, começa o circo da Liga. Mário Figueiredo, que tinha o apoio do presidente do Benfica, começa a ser pressionado por toda a gente:  Porto, seus clubes apoiantes e Federação nas sucessivas tentativas de o tirar do cargo para o qual tinha sido eleito pouco tempo antes. O presidente do Benfica, que até então tinha sido o seu maior apoiante decide ignorar tudo isto e, numa jogada estratégica, acaba por deixar cair o ex-presidente da Liga para apoiar outro candidato, sem que ninguém perceba as razões disso ter acontecido. Bem antes disso, houve a célebre reunião da Liga em Óbidos que o presidente do Sporting abandona mais cedo, seguido do presidente do Benfica que, à saída, diz: “O futuro do futebol português passa pelo Benfica e pelo Sporting, seguramente”. Nessa altura, mesmo com as naturais tensões durante o campeonato, aparentemente, havia uma sintonia de posições. Ou, pelo menos, ambos estavam liminarmente contra o beija-mão dos clubes a Pinto da Costa.

Após a impugnação das eleições da Liga e de tudo o que isso gerou, a montanha pariu um….Duque. Dirigente do Sporting que está com um processo colocado pelo clube e, cirurgicamente escolhido pelos presidentes do Benfica e do Porto. Antes disso, já tinham existido casos graves como o atraso na Taça da Liga, mudança de Estádio de Arouca para Aveiro e impedimentos ilegais de utilização de jogadores emprestados pelo rival a outros clubes da Liga. Ao ver esta mudança de posição por parte do presidente do Benfica (sem nenhuma explicação aos seus sócios que ainda hoje se perguntam porque é que se aliaram ao seu grande inimigo), Bruno de Carvalho passa ao ataque. E faz as declarações das “nádegas” colocando, pela primeira vez, Porto e Benfica juntos no domínio do Sistema que está instalado no futebol português. E, corrijam-me se estiver enganado, essas declarações foram as únicas que foram feitas por iniciativa própria do presidente do Sporting ou, sendo mais concreto, que não foram respostas a outras, iniciadas por outros. Mas o ambiente que, na altura, se vivia no futebol português com as eleições da liga, candidaturas que eram e deixaram de ser, impugnaçōes, etc..exigiam uma posição clara do Sporting sobre essa matéria. E foi BdC o único que teve a coragem (questionando-se a forma ou não) de dizer o que se estava a passar.

E é a partir daqui que a tensão escala. Primeiro, surge na imprensa uma notícia sobre passivo escondido no Sporting no valor de 270M, rapidamente desmentida em comunicado mas, ainda assim, aproveitada por Rui Gomes da Silva no Dia Seguinte. Depois, numa entrevista na televisão, Luís Filipe Vieira refere-se à reestruturação financeira fechada por Bruno de Carvalho e seus parceiros como “perdão de dívida”. Isto já depois do seu vice presidente, José Eduardo Moniz, ter dito o mesmo num jornal. BdC responde na SportingTV classificando de “patética” a estratégia do Benfica em questionar actos de gestão internos do Sporting e falando depois do passivo e de inexistência de contas consolidadas por parte do rival. E, pelo menos, “à frente das câmaras” a relação ficou assim. Tensa e hostil. Depois, entrou-se num período mais calmo, também coincidente com o regresso à competição. Mais recentemente, houve a despedida do Pedro Proença num evento que reúne ambos os dirigentes e, por iniciativa de BdC, acontece  um aperto de mãos, já em vésperas de derby.

E é neste cenário que chega o fim de semana dos derbys com tudo o que aconteceu, levando ao corte de relações por inexistência de reacção do presidente do Benfica em relação aos crimes cobardes que os seus adeptos cometeram em Alvalade. O director de comunicação do clube da luz classifica o comunicado do presidente do Sporting como “folclore”. De seguida, vem a reacção do presidente do Benfica que, num discurso com mais de uma semana de atraso, condena os actos sem deixar de atacar o presidente do Sporting entrando, uma vez mais e como já tinha feito antes, no domínio interno do clube. Bruno de Carvalho responde no seu facebook de forma contundente e entrando, também ele, em questōes do clube encarnado arrasando por completo o presidente rival.

Analisando isto tudo, fica claro que, mesmo admitindo algumas falhas na cronologia destes acontecimentos e até de omissão de alguns, o presidente do Benfica, uma vez mais, “virou a casaca”. Não que isso seja ilegal ou censurável, toda a gente tem o direito de escolher a quem se alia e de mudar no momento em que entender. Nem que, por isso, tenha existido uma verdadeira aliança entre Sporting e Benfica. Mas havia uma vontade comum de acabar com o feudo vergonhoso que havia na Liga. E, a meu ver, a “big picture” é esta: em termos de poder no futebol português, não é preciso fazer grandes pesquisas. É pública e notória aliança entre os rivais e a escolha do Duque serve o propósito de isolar o Sporting nas decisões. O que está em jogo são os dois lugares de acesso directo à Champions e é a distribuição das receitas dos direitos televisivos, portanto, dinheiro. É, literalmente, dividir para reinar. Depois, há a questão dos fundos, onde a Doyen, que violou o contrato que fez com o Sporting e com quem entrámos em litígio, é parceira estratégica do Benfica e Porto. E estão aqui as razões de LFV para “virar a casaca” ou, pelo menos, para a “aliança”.

A imprensa analisa todos estes acontecimentos isoladamente. E, desta forma, o presidente do Sporting tem mais notícias, mais declarações e mais comunicados, produzindo mais “espuma” dos dias. É desta básica junção de factos que toda a CS facilmente promoveu a imagem do presidente do Sporting como sendo conflituoso, isolado e provocador. E esta é a maior falácia que o futebol português está a querer construir porque toda a gente se esquece que a maioria das intervençōes , ou pelo menos as mais agressivas, foram sempre em resposta a alguma coisa. Não foi BdC que se isolou, foram os seus dois rivais que o isolaram e a maior prova disso é a escolha do actual presidente da Liga. Pior, foi LFV que “traíu” (não havendo aliança, havia uma convergência de posições) o presidente do Sporting para se aliar a PdC tal como já tinha traído Mário Figueiredo, que inicialmente serviu os propósitos encarnados na questão dos direitos televisivos mas depois acabou apunhalado pelas costas pelo presidente do Benfica na altura das eleições para a Liga.

Isto é o que está por trás da cortina, toda a gente sabe mas ninguém tem coragem de dizer. É muito mais fácil somar declarações e colar um rótulo. E o que estão a fazer ao nosso presidente, que até levou a uma mudança na estratégia de comunicação, é a todos os níveis, deplorável. Nunca, dirigente algum sofreu os ataques que BdC está a sofrer por parte da CS. O benefício da dúvida que toda a gente merece, sobretudo de alguém que está a tornar o Sporting sustentável e competitivo depois da maior crise de que há memória e voltou a colocá-lo na Champions, deu rapidamente lugar a um ataque sem precedentes apenas e só porque, na sua génese, defende os interesses do Sporting e porque esses interesses são diferentes dos rivais. Sejam esse interesses desportivos  (ambos os clubes querem ganhar, perfeitamente natural), estratégicos (questão dos fundos, também legítima) ou políticos (cumprimento dos regulamentos, funcionamento da arbitragem, distribuição dos direitos televisivos, etc….estas sim, nada naturais porque aquilo que o Sporting propõe é, na sua generalidade, bom para o futebol português). E este é o ponto do qual ainda ninguém teve a coragem de partir. Cada clube tem o direito de escolher a sua forma de gestão e de lutar por aquilo em que acredita ou temos todos que seguir a mesma cartilha?E, por isso, fica aqui minha revolta pela queixa da FPF em relação à decisão da FIFA sobre a actividade dos fundos. Será que ouviram os clubes? Será que ouviram os argumentos do Sporting (aposta na formação e no jogador português)? Quem é que a FPF está a representar? Mas isto já são contas de outro rosário. Ou pensando melhor, se calhar até não. Se calhar, é só mais uma peça que encaixa na perfeição no dantesco puzzle em que se transformou o futebol português.

 

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!