Uma das grandes vantagens de participar numa AG do Sporting é poder partilhar, em primeira mão, da opinião de outros sportinguistas. Nem todos muito esclarecidos ou esclarecedores, é certo. Mas quase que vale a pena aguentar as 5-6 horas de jejum e calor intenso só para poder ouvir a intervenção daqueles que sabem aliar a uma intensa paixão pelo Sporting uma facilidade de comunicação capaz de cativar 1000 e tal pessoas esfomeadas e desidratadas com uns escassos 3 minutos de conversa. Para mim, ser-se realmente “notável” no Sporting é isto. Ter um amor e um respeito infinitos por este Clube, e expressar-se de tal forma que isso se “note”, facilmente e à distância. Algo que já não acontece com ditos “notáveis” da praça, mesmo observando-os de muito perto …e por mais que eu me chegue ao ecrã do televisor quando está a dar o “dia seguinte”.

Sem querer personalizar muito — até porque, sem excepção, todos os que têm a invejável coragem de subir àquele palanque para botar discurso merecem, só por isso, ser reconhecidos — não queria, mesmo assim, deixar de referir as palavras de um sócio em particular. Não conheço, pessoalmente, de lado nenhum este sócio de que vos vou contar. Lembro-me de o ouvir falar na primeira AG a que assisti (e sobre a qual escrevi uma prosa destas, ainda no “velhinho” Cacifo), salvo erro em Julho de 2013 no pavilhão da Ajuda. Nesse dia, confessou que nas eleições de 2011 tinha votado em Godinho Lopes. E estava arrependido. Nós perdoamos-lhe, obviamente! Porque, afinal, ao que é que pode realmente almejar na vida um homem se não cometer alguns erros pelo caminho? Desta vez, na sua intervenção, fez questão de comemorar o feito de Godinho Lopes ter sido o único que não alienou património do Sporting (…enquanto presidente!), ao contrário de todos os seus antecessores no chamado “projecto roquette”. Para isso — acrescentou de seguida — terá contribuído decisivamente o “pormenor” de, em 2011, quando o garboso engenheiro tomou posse, já não restar praticamente qualquer património para vender. Mas, piadas à parte, aquilo que mais retive do que disse este sócio foi um pedido que fez ao Presidente do CD, algo deste género:

“Presidente, continue a travar as guerras que forem necessárias. Não se preocupe que ninguém o vai matar. Estamos cá nós para garantir que isso não acontece.”

Numa altura em que há já tantas guerras e frentes de batalha onde o Sporting se vê envolvido, que sentido faz pedir que continuem? E afinal quantas guerras são mesmo? Serão assim tantas? Porque há guerras que parecem ser muitas mas na verdade são uma só. Há um interesse generalizado para que pareçam ser muitas mas quem está do outro lado da barricada, a definir a estratégia do inimigo, na realidade é sempre o mesmo. Quantos conflitos há verdadeiramente a envolver o Sporting? Bom, logo a abrir o mandato desta direcção estalou a primeira guerra, com os credores. Uma guerra que todos reconhecem ter sido fundamental. Penso que ninguém — pelo menos ninguém sério — questiona a necessidade dessa luta. Uma luta que foi travada e ganha! Menos uma guerra com que nos temos que preocupar, pelo menos para já. Começou então logo de seguida outra guerra, não menos fundamental para a estabilidade financeira do Clube. A guerra contra os empresários de jogadores (…e de treinadores) que viveram estes anos de “projecto roquette” acostumados a ver o Sporting como a sua “cash-cow” — quando estoirasse, estoirava; as vacas também se abatem… Nesta última AG vimos números bem concretos que ilustram como era essa realidade: no mandato de Soares Franco, pagavam-se comissões chorudas em negócios ruinosos, algumas a rondar os 30%! E algo me diz que no mandato de Dias da Cunha terá sido ainda pior. Mas, quanto a isso, teremos que aguardar pelos próximos resultados da auditoria.

Depois há outra guerra que era de esperar, caso o Sporting conseguisse, como tem conseguido, recuperar o ascendente que já teve, em tempos, no panorama desportivo nacional. Ascendente esse que foi perdendo gradualmente depois do mandato de João Rocha e, de forma acentuada, a partir do mandato de Dias da Cunha. Desde então, o desporto e principalmente o futebol em Portugal e todos os seus actores (dirigentes, empresários, jornalistas, figuras públicas, etc.) têm trabalhado sob a premissa de que existem apenas dois clubes neste país, que o mercado apenas tem espaço para esses dois segmentos. Combater este status quo é talvez a guerra mais importante que teremos que travar. E tem sido claramente a mais dura. Finalmente, e ao contrário da guerra contra a bipolarização do panorama desportivo, que já era de prever, há ainda uma outra guerra que, à partida seria completamente inesperada. Uma guerra fratricida que opõe de ambos os lados da barricada gente de Leão ao peito. Uma guerra de guerrilha, feita principalmente da hipocrisia de quem se esconde na sombra para atacar de forma cobarde os que trabalham diariamente em prol do Clube. Uma guerra que não mata mas vai moendo, muito, e que é muitas vezes alimentada e acicatada pelos ditos “notáveis” de outrora. E talvez por aqui se possa começar a compreender o sentido que faz esta guerra aparentemente contraditória. Alguém cujo trabalho seja visado por uma auditoria, sendo inocente de actos ilícitos ou questionáveis, nada teria a temer. Teria aliás esse alguém todo o interesse que a auditoria se realizasse e confirmasse o bom trabalho (ou pelo menos o bom esforço) que realizou. Quando a reacção é precisamente a inversa, quando os visados fazem tudo para denegrir a auditoria e os seus promotores, podemos estar certos que houve má-fé e gestão danosa. Como aliás se tem demonstrado nos resultados da auditoria que vão sendo conhecidos.

São estas as guerras em que está envolvido o Sporting: empresários, bipolarização e oposição. É esta a santíssima trindade na qual, de uma forma ou de outra, se encaixam todos os problemas e conflitos pelos quais tem passado esta direcção. Haverá alguma destas frentes que possamos ignorar ou que pudéssemos ter evitado? Vejamos… Pouco poderíamos fazer quanto à oposição, visto que a auditoria era uma importante promessa eleitoral que não podia propriamente cair no esquecimento. Seria possível equilibrar as contas e iniciar o processo de recuperação financeira se continuássemos a pagar mesada a empresários? Dificilmente, estou em crer. E, finalmente, estaríamos em condições de abdicar do nosso desígnio de ser a maior potencia desportiva nacional e tão grandes como os maiores da Europa, só para não ter de passar pela grande “chatice” de combater os interesses da bipolarização? Se assim fosse, não seriamos dignos de nos chamarmos Leões. Portanto, não creio que haja excesso de guerras. Temos as guerras que temos que ter, as que precisamos de ter. Enfrentamos os problemas que nos coloca um caminho quase predestinado. Nesse sentido, tem toda a lógica o pedido: “Presidente, continue a travar essas guerras”, são o sinal de que estamos no bom caminho.

Empresários, bipolarização e oposição: todos os problemas e conflitos aqui se encaixam. E há problemas e conflitos que encaixam em mais do que um dos vértices deste triângulo. Até há pelo menos um problema que se encaixa em todos: o antigo treinador Marco SIlva. Muito mais ao serviço do seu empresário do que do Sporting; a falta de ambição que demonstrou é um claro sintoma de que a bipolarização está bem enraizada; e todo o drama que ele e o seu empresário têm criado em torno da sua relação com a direcção tem sido um enorme sustento para as hostes da oposição. O Marco e a trindade a certa altura quase se confundem.

Falemos então do Marco. Dizem “fontes seguras” que, há dias, o Sporting terá enviado uma proposta ao seu antigo treinador no sentido de resolver o actual impasse relativo ao contrato de trabalho. A ser verdade, será um elemento de uma negociação em curso entre as duas partes com vista a um acordo que, se e quando existir, será obviamente confidencial. Essa proposta inclui uma já célebre cláusula que, garantem as mesmas “fontes”, é inaceitável, maliciosa e prejudicial à carreira do jovem Marco. Uma cláusula que, na sua essência, o impede de exercer a sua profissão! (…em Portugal, para um dos nossos rivais… mas isso já serão pormenores). Pouco importa o valor que terá tido o Sporting no lançamento da carreira do rapaz. O que é que interessa a passagem por um clube histórico da Europa? O que é que interessa ter tido a oportunidade de vencer um título e de comandar (…ou desprezar) o produto de uma das melhores escolas de futebol do planeta? Absolutamente nada! Com certeza que mais um ano ou dois no fabuloso Estoril e estaria o Marco a ser à mesma cobiçado pelos Olimpiacos e Sevilhas da vida. Claro que os adeptos desses clubes, campeões nacionais e vencedores de competições europeias, talvez não entendessem muito bem porque razão lhes estariam a impingir o treinador do Estoril. Mas tudo bem, sabe-se como a malta nisto do futebol é tolerante e compreensiva. Sobretudo os adeptos gregos…

Se, por outro lado, quisermos contar com alguma mais valia, por pouca que seja, que o Sporting terá permitido, em termos de carreira, ao Marco, então parece-me justo que esse valor, transferido do Sporting para o treinador, não seja agora entregue “de mão beijada” a um dos nossos rivais. Especialmente numa altura em que a carreira do Marco cavalga ainda na crista da onda da sua passagem por Alvalade. — “Mas é uma atitude maliciosa, indigna! Ninguém faz isto senão este Sporting e este presidente!” — Pois, ninguém… excepto, por exemplo, o Real Madrid… E é tão malicioso e indigno que o pobre do Leonardo Jardim, que também terá assinado uma cláusula semelhante, farta-se de queixar da injustiça cometida… ou espera!, talvez não… — “É diferente, o Leonardo quis sair do Sporting.” — Claro, e o Marco, obviamente, queria ficar. Acreditam sinceramente que seja esse o caso? Depois de tudo o que aconteceu? Acham lógico que um treinador que quer ficar num clube cuja direcção tem um mandato para mais 3 anos faça todos os possíveis para sabotar o trabalho dessa direcção? Acreditam que o Marco estava no Sporting de boa-fé e que alguma vez esteve? Ou se calhar ainda acreditam que todas aquelas capas de jornais foram uma grande coincidência. Será coincidência que, escassas horas depois de ser entregue a nota de culpa do processo disciplinar, um documento confidencial, já todas as redacções de tudo quanto é pasquim sabiam o que esse documento continha? E, mais importante, sabiam exactamente qual o aspecto a salientar entre as 400 páginas do documento: o famoso facto do fato. E será coincidência que os mesmos pasquins, todos, tenham tido acesso em simultâneo às tais “fontes seguras” que noticiaram a recusa de Marco Silva em aceitar a referida e alegada proposta confidencial do Sporting?

Eu não acredito que acreditem nisso. Se forem minimamente racionais e souberem usar de algum bom senso, não podem acreditar. O problema é que muito boa gente tem abordado esta questão, desde o início, não do ponto de vista da razão mas sim da emoção. Deixaram-se levar por uma paixão tão forte como fugaz, um verdadeiro “bromance” idealizado e idílico, envolvendo aquele que tinha toda a aparência de ser “O” treinador para o Sporting. Mas, se analisarem a questão friamente — se alguma vez conseguirem — facilmente concluirão que pouco mais tinha o Marco para além da aparência. “O” treinador do Sporting não pode deixar de fora, por exemplo, um Wallyson durante uma época inteira (sem contar com a “abébia” da Taça da Liga). “O” treinador do Sporting não pode encarar o 2º ou 3º lugar como qualquer tipo de conquista ou algo mais do que os primeiros dos últimos. “O” treinador do Sporting não pode privilegiar os seus próprios interesses ou os do seu empresário quando estes são antagónicos — ou mesmo prejudiciais — aos superiores interesses do Clube. Nomeadamente, “O” treinador do Sporting tem que utilizar os jogadores que mais garantia lhe derem quanto à vitória, independentemente de qual o empresário que os representa.

— “Mas o que nos garante que o Jesus será “O” treinador?” — Absolutamente nada. E começa logo por ser, reconhecidamente, uma besta de pessoa. Mas mesmo aí, nessa aparente incapacidade, reside a nossa esperança e claramente a sua maior vantagem: Jesus não é Marco Silva. Segundo consta, terá posto os palitos ao seu empresário; se fosse um partidário da bipolarização teria ido para o fcp ou ficado no slb; e a notícia da sua vinda tem sido o terror da oposição. De uma assentada, fomos buscar o melhor treinador português que não rasgou camisolas do Sporting e um tremendo aliado na luta contra a santíssima trindade dos que nos querem mal.

É caso para dizer: caiu o Marco e a trindade!; chegou o Jorge Jesus!!

ESCRITO POR Leão de Trafalgar

*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]