Começo este texto da forma mais improvável, falando da nossa formação. Quem me conhece, seja pessoalmente ou aqui da tasca, sabe que sou um defensor acérrimo e apaixonado dos nossos viveiros. Eu sou aquele gajo que acha sempre, quase por decreto e sem frieza na análise, que todos os nossos talentos em fase adiantada da sua formação são imediatamente potenciais titulares. Se me perguntarem, dir-vos-ei sempre que Wallyson ou Palhinha podiam ser já o nosso 6 na ausência de William, que não precisamos de mais extremos porque Gelson e Mané dão conta do recado ou, inclusive, que Tobias e Semedo são melhores do que Naldo ou Ciani.

Na verdade, digo isto mais por paixão do que por razão. Se calhar, é a paixão (ou fezada) que fez Jardim encostar um trinco já consagrado como Rinaudo para apostar, a titular, num miúdo que andava a rodar na Bélgica. Sem paixão, sem fezada, não existem apostas em jovens. Lançar um jovem a titular numa equipa que luta pelo título é, na teoria, um tiro no pé. Por todas as razões e mais algumas, sendo a mais importante, a pressão desmedida em cima do miúdo que pode, em muitos casos, prejudicar a sua carreira numa fase inicial. Por outro lado, também é preciso separar as coisas. Quem tem qualidade, não precisa de muito tempo para demonstrar o seu valor. Patrício, William, Cédric, Mané, João Mário são só os casos mais recentes.

O problema é que a nossa paixão, e contra mim falo, já não se limita a ter jovens da formação no plantel. Vai mais longe a ponto de os querermos imediatamente no onze e, inclusive, a desdenhar todos os jogadores que são contratados de fora em detrimento dos nossos. Se repararem, no primeiro parágrafo fiz exactamente esse exercício. Ora, pensando bem (e eu pensei muito neste fenómeno) temos todos de mudar este pensamento retrógrada, discriminatório e exclusivo. O que nós, adeptos, temos de exigir é igualdade de oportunidades para os nossos jovens de qualidade em detrimento de exclusividade de oportunidades. Porque se é justo que um Gelson tenha as suas chances de jogar, não é menos justo que o Bryan Ruiz tenha, igualmente, direito ao seu espaço. E quem é que tem a prorrogativa de determinar quem joga mais? Não sou eu, nem o cherba, nem o Paulinho. É o treinador. E desta vez, digo isto com total convicção porque finalmente temos um que não olha para a sua carreira, que já ganhou muito em Portugal e que tem a qualidade incontestável para fazer essas escolhas.

E eis que contratamos, com o aval de alguém que percebe do assunto, Bruno Paulista e Aquilani. Começando pelo registá italiano, e sendo um simpatizante da AS Roma, lembro-me bem dos seus primeiros jogos em Roma. E nessa altura, embora os olhos estivessem sempre em Il Capitano e De Rossi, Aquilani foi uma revelação. Lembro-me de ter pensado na raridade que é combinar: capacidade física, classe, intensidade, chegada à área, meia-distância, finalização, último passe….o Aquilani desse tempo (obviamente, que hoje já não é o mesmo) era, para mim, um dos jovens com maior potencial de ser um médio de classe mundial. Tinha a tranquilidade e a classe dos grandes médios mas, sem bola, era um mouro de trabalho, uma carraça. Aliás, se fosse possível fazer uma fusão entre Totti e De Rossi saía…Aquilani. Neste momento, é um jogador diferente, menos decisivo, menos goleador, se calhar, menos intenso. A questão é percebermos o que ele pode trazer que não exista no plantel. E é aqui que Jesus não brinca. Identifica as lacunas e escolhe as soluções. Adrien é um médio de grande qualidade a quem falta, quiçá, um bocado mais de inteligência na tomada de decisão com bola. João Mário é um médio de posse que está a ser transformado em médio de transição mas que tem lacunas na finalização e na meia distância. Aquilani resolve dois problemas de uma assentada só. Traz a experiência e a serenidade que faltará a Adrien e traz a capacidade de chegada à área e finalizaçào que falta ao João Mário. E o mesmo aconteceria se tivesse vindo o Boateng no lugar do italiano, o que demonstra uma avaliação de perfil muito específica para as necessidades da equipa. Obviamente que não ignoro a idade (31 anos) nem a curva descendente que a sua carreira vem tomando de há uns anos para cá. Mas também há algo que me intriga. Porque raio é que Aquilani assume sempre um papel importante em todas as equipas que jogue (à excepção do Liverpool, a sua única e verdadeira experiência falhada) Nem sempre titular, nem sempre suplente mas tem tido sempre muito mais tempo de jogo do que a sua qualidade actual ou mais recente, aparentemente, mostrava. A resposta é simples: Aquilani é tacticamente irrepreensível. Se a equipa precisa de alguém que ocupe o espaço, ele ocupa. Se a equipa precisar de mais gente na área, ele sobe. Se a equipa precisa de descansar com bola, ele guarda-a. Se a equipa precisa de queimar linhas, ele transporta ou joga em profundidade. Aquilani é o típico médio italiano, perfeito em termos tácticos. Não tenho dúvidas que foi por isso que Jesus o pediu. E se a primeira opção era Boateng, se calhar Jesus estará a pensar que os problemas físicos do ganês não foram mais do que o Seu Pai a escrever direito por linhas tortas. Pessoalmente, porque é um produto giallorosso, porque é um típico registá, porque resolve muitas lacunas do plantel e porque tem experiência europeia para dar e vender, estou muito entusiasmado com a vinda de Alberto Aquilani. Acho que nos vai ajudar muito.

Bruno Paulista é outro que conheço, relativamente, bem. E digo relativamente porque não devo ter visto mais do que 3 jogos dele no Brasil. Mas há jogadores que, num jogo apenas, dá para ver aquilo que vale. Por exemplo, Wallyson é um desses jogadores (lá estou eu com os nossos miúdos…) Se a esse jogo juntarmos mais 2 que não foram mais do que uma fotocópia do primeiro, e com fotocópia refiro-me a uma exibição imaculada sem bola e estrondosa com ela, então posso dizer, com todo o risco que isso encerra, que estamos perante um predestinado que, embora tenha apenas 19 anos, não vai demorar muito a conquistar o seu espaço. Costumo dizer que no Brasil a qualidade futebolística existe até no gordo que vai à baliza, ou seja, existem carradas de jovens talentosos. O que distingue Bruno Paulista dos demais? O seu trabalho sem bola. É que para além do drible, do passe a média e longa distância e do remate, Bruno Paulista é uma carraça sem ela revelando sempre uma atitude inexcedível e uma determinação de aço. Mentalmente, é muito forte. Conquistou o seu espaço com uma consistência de exibições tal que hoje já leva mais de 30 jogos no Brasil e é um ídolo da torcida do Bahia. Aos 19 anos é obra.

Portanto, com Aquilani asseguramos um presente e um passado glorioso, com Paulista olhamos parao futuro. Mas acima de tudo, são dois jogadores que vão obrigar Adrien, João Mário, William, Wallyson e André Martins a estarem sempre alerta. Deste lote de fantásticos médios, quem dormir perderá a carruagem porque a competitividade pelas duas posições do miolo será enorme. Independentemente de quem jogar, a minha previsão é que todos eles, sem excepção, fiquem ainda melhores jogadores do que já são. Sejam eles da formação ou contratados. Porque neste Sporting há lugar para todos, desde que sejam bons!

 

* todas as sextas, directamente de Angola, abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!