Tinha tantas saudades. Saudades deste sentimento de que algo se completa, de que funciona como um todo. Saudades deste sentimento que vai do relvado para a bancada e da bancada para o relvado, numa comunhão que não deixa quem quer que seja indiferente por mais quilómetros que o separem de Alvalade. Saudades de ser aquele miúdo que chegava ao estádio depois de apanhar uma valente molha e que tudo o que queria era ver a bola rola e festejar golos.

E, ontem, o primeiro até podia ter sido para o Braga. Melhor entrada em jogo dos arsenalistas, capazes de colocar em perigo a baliza de Rui Patrício logo ao primeiro minuto. A bola saiu ao lado, mas ficava o aviso, com o Sporting a precisar de cerca de dez minutos para se equilibrar e pegar no jogo. João Mário marcaria, já depois de ser assinalado fora de jogo a Slimani, e o mesmo João Mário seria protagonista de uma fantástica jogada colectiva que o deixaria na cara do guarda-redes e que deixaria Alvalade com o grito de golo preso na garganta. Bruno César ensaiaria um livre directo, mas seria Slimani a ter mais uma estrondosa oportunidade: grande passe de Bryan Ruiz e o argelino a isolar-se e a preferir tentar o chapéu em vez de fuzilar o guarda-redes. Mãos na cabeça do avançado, mãos na cabeça nas bancadas, bola para a entrada de Ruiz que chega atrasado. O Sporting dominava completamente a partida, frente a um Braga encaixado no seu meio campo (e, por vezes, em metade do seu meio-campo) e só faltava um golo para efectivar esse domínio. Paulo Oliveira este perto de consegui-lo no seguimento de um canto, mas a potente cabeçada do central bate no poste, bate no guarda-redes e não entra.

As máximas do futebol davam ar de sua graça e povoa a mente de tudo e todos aquela que diz que “quem não marca arrisca-se a sofrer”, no momento em que Wilson Eduardo aproveita uma bola perdida para marcar o primeiro. As bancadas, já de si geladas pela chuva, não acusam o golpe e empurram a equipa para a frente. Slimani está perto de finalizar com êxito, mas é na baliza de Patrício que as redes voltam a agitar-se: enorme passividade da defesa e Rafa a fazer um golo de bela execução. Verdadeiro murro no estômago a um minuto do intervalo, verdadeira prova de fogo para o Sporting no seu todo. E, face a ela, os adeptos são os primeiros a não deixar margem para dúvidas: este jogo está longe de estar terminado!, escuta-se no eco dos cânticos que acompanham a equipa na saída para o balneário e a recebem de volta para os segundos 45 minutos.

Gelson já está em campo, substituindo William e entregando o miolo a Adrien e João Mário (que grande jogo dos dois meninos formados em Alvalade). E é Gelson quem arranca pela direita e vê o seu cruzamento ser cortado pela mão de um defesa. Corpo fora da área, mão dentro da mesma, penalti. Adrien avança e não treme. Falta meia hora. Faltam dois golos. Entra Montero. João Mário tem mais uma grande arrancada, trabalha com Ruiz e o costa riquenho descobre Slimani sozinho na área; o falhanço do argelino leva tudo e todos ao desespero e a dose repete-se pouco depois, quando Slimani não consegue emendar o ressalto de um primeiro remate de Gelson Martins.

Lá vai Jefferson. À quem lhe grite para cruzar, há quem lhe grite para centrar. O que ele faz não se sabe, mas Montero intromete-se, domina a bola e dispara para o fundo das redes. O vulcão de Alvalade explode definitivamente e não há quem não acredite que não chegamos ao terceiro nos 15 minutos que faltam. Respiração em suspenso dez minutos depois, quando Rafa se isola. Patrício volta a fazer-se maior do que qualquer baliza e diz não ao que seria uma tremenda injustiça. Falta um minuto. Canta-se. Acredita-se. Ruiz saca um cruzamento a régua e esquadro que encontra a cabeça de Slimani no meio de quatro defesas…

E quando o tempo volta a andar há uma loucura colectiva. Há aquele nós contra o mundo, há olhares que se encontram num desnorte de felicidade. E há o erguer o mais alto que posso uma pequena Leoa a quem sempre quis passar isto. Este Sporting. O meu Sporting. Um Sporting que nos faz acreditar, um Sporting que obriga os adeptos a continuarem a cantar já depois dos 90 minutos, um Sporting que no misto de trabalho e de brilhantismo faz com que adeptos e profissionais se liguem de forma electrizante. E enquanto uma criança agita o cachecol e bebe a felicidade colectiva, eu olho para a escada de pedra onde a força da chuva nos obrigou a ver o jogo e encontro, de lágrimas de felicidade nos olhos, aquele miúdo que levo sempre comigo para a bola à espera de momentos como este. Tinha tantas saudades.