Sentia-se inquieto. Sono agitado, ideias embrulhadas e tudo por causa do Sporting. Sempre o Sporting, como se valesse de muito aquele “tens razão” com que brindava quem lhe dizia «porra, há coisas tão importantes na vida e tu vais estar assim por causa de futebol?!?». Aquele “tens razão”, quase sempre acompanhado de um sorriso, era uma espécie de “podes dizer-me essa merda as vezes que quiseres que eu não mudo”. E porque jamais mudaria, Leónidas aproveitou o início de uma nova semana para se levantar ainda mais cedo do que o habitual.

Estava sem paciência para o trânsito e tinha pela frente quase quatro centenas de quilómetros. «Vai dar para colocar as ideias no lugar», pensou, enquanto aparava a barba e colocava mentalmente tudo o que iria precisar na mochila. E, já com ela às costas, enquanto se dirigia ao carro, foi assaltado pelo raio das imagens do jogo de Leverkusen, as tais que o deixavam inquieto há quatro dias. Irritava-o pensar que os cabrões dos alemães estavam ao alcance do melhor Sporting, aquele que não chegaram a defrontar por uma questão de gestão. E mais irritado ficava, quando se lembrava dos comentários de vários Sportinguistas a dizerem “ainda bem que nos podemos focar unicamente no campeonato!”. As mãos apertam o volante com mais força, os olhos acompanham o espreguiçar do sol que confirma um daqueles dias de inverno em que apetece andar na rua. «Foda-se, era o que faltava eu aplaudir uma eliminação…»

Lá estava, aquela sensação que o inquietava. Aquele não querer aceitar que o Sporting apenas se pode focar num objectivo. Aquele não poder aceitar que alguém respire de alívio por estarmos em menos uma frente. Não foi esse o Sporting por quem se havia apaixonado perdidamente. É verdade que as façanhas europeias que havia podido acompanhar se contavam pelos dedos. E, mais verdade ainda, que o seu Sporting ainda há dois anos tinha batido no fundo e nem à Europa tinha ido. E era aí que os seus sentimentos viravam um pacote de Capri Sonne com todos os frutos imaginários, pois essa imagem do Leão a cravar as unhas nas paredes de um poço também fazia todo o sentido e era a iconografia com que identificava a história recente do Rampante.

E se o regresso à superfície nunca seria fácil, mais complicado se torna quando, diariamente, mil e uma artimanhas são feitas para que o Leão volte a escorregar poço abaixo. «Tem sido uma luta do caraças…», disse para si mesmo, enquanto olhava para o que tem sido feito de ano para ano. Recuperar financeiramente, segurar os melhores jogadores, apostar nos melhores da formação, ir acrescentando cada vez mais valor no início de cada nova época, sem esquecer a escolha criteriosa dos treinadores. Primeiro devolveu-se o orgulho, depois devolveu-se a esperança. Conquistou-se uma Taça de Portugal, depois uma Supertaça e, agora, defende-se um primeiro lugar ocupado contra tudo e contra todos. A equipa joga bem, os pormenores do trabalho desenvolvido durante a semana surgem a cada novo final de semana e, com mais ou menos nota artística, há um lote de profissionais totalmente comprometido com a camisola que defendem e que, como prémio, recebem o apoio cada vez mais massivo de uma nação leonina sedenta de grande vitórias.

Talvez resida aqui a explicação para todo o turbilhão que o envolve há alguns dias: e se esta aposta declarada no titulo não for suficiente para conquistá-lo? Não conseguiu encontrar uma resposta até estacionar o carro, longe de casa, onde o seu Sporting ia jogar e ele quis lá estar. Até, ao seu lado, estacionar um outro carro, de onde saíram cinco Sportinguistas. Ele sorriu-lhes e eles retribuíram com um “vamos esmagar estes gajos!”. Leónidas sorriu ainda mais e a sua resposta foi erguer o punho cerrado enquanto, de forma automática, lhe saiu um «está quase!». Prendeu-se às suas próprias palavras e entendeu o significado de tudo o que o inquieta. É este estar quase. É este estar cada vez mais perto. É este querer tanto o que mereces que quase te sufoca quando não sabes o que fazer mais para ajudar. É esta sensação de estares prestes a iniciar os dois jogos que podem decidir a tua época. E voltou a sorrir. Porque esta é uma viagem que só pode encher de orgulho que defende tão bela camisola. Porque, independentemente do desfecho, esta é uma viagem que valerá sempre a pena. Até logo, companheiros!