Carmizé, a portuguesa que roubou o coração de Chirola, recebeu O JOGO em Buenos Aires, onde continua a ser proeminente figura pública e passou em revista instantes marcantes de um avançado sem par. O adeus do argentino foi a 18 de junho de 1997

O casamento mudou a sua identidade. Até conhecer o goleador que ficou na história era Maria do Carmo da Ressurreição de Deus. Mas surgiu na sua vida o Chirola e passou a ser para sempre Carmen Yazalde, a esposa de um dos grandes ídolos do Sporting, o Bota de Ouro da temporada 73/74, graças a 46 golos em trinta jogos, o goleador que foi um mito até há 15 anos, quando faleceu aos 51 anos, em Buenos Aires. “Chirola amava o Sporting, foi o clube que mais quis e onde foi mais querido. Era uma loucura por ele”, recorda a atriz e modelo portuguesa, a Carmizé, que agora vive e é figura pública na Argentina e anseia por um regresso a Portugal: “Este ano vou a Lisboa, mal posso esperar. Quero conhecer o novo estádio do Sporting e visitar o museu para ver tudo o que têm do Chirola”.

Como se conheceram?
Ele vivia por cima de uma taberna onde todos os sábados e domingos almoçávamos com a companhia de teatro. Um dia vêmo-lo chegar com Conchita Velasco, uma diva espanhola que estava a fazer uma peça em Portugal e também vivia aí. ‘Quem é aquele de cabelo comprido, parecia um índio?’, perguntámos e o empregado disse-nos que era um jogador do Sporting, mas que não estava a jogar. Eu já sabia de alguma coisa do género, porque o Camilo de Oliveira, que era o ator principal da peça e era um sportinguista doente, ia falando sempre da equipa. Depois, ao fazer um anúncio publicitário com trinta homens, alguém pediu ao realizador se podia trazer um argentino para passar o dia de filmagens connosco. E apareceu no Guincho. A partir desse dia, não saiu da primeira fila do teatro todas as noites. Convidava-me para jantar, mas não podia esperar até à uma da manhã, senão era multado pelo clube.

Então, foram almoçar?
Por fim, o Camilo de Oliveira insistiu para sair com a sua esposa e com o Chirola. Fomos ouvir fados em Alfama e a partir daí começámos a namorar. Ao princípio, andávamos escondidos, ele ainda não podia jogar, porque já havia um estrangeiro no plantel e tinha que esperar que a época terminasse. Foi um instante. Depois, no final de 1972, viajei sozinha para a Argentina para conhecer o seu país, porque ele me dizia que não sabia onde iria terminar a carreira. Fiquei por vários meses e o Chirola viajou quando terminou o campeonato, com todos os documentos para nos casarmos. Foi a 16 de julho de 1973.

Ia vê-lo ao estádio?
Sim, tínhamos um camarote. O meu pai era sportinguista, mas não ia ao estádio porque comecei a trabalhar muito nova no teatro e não podia ir. Mas depois comecei a ir pelo Chirola. Ele punha toda a gente doida, era o máximo. Para os adeptos e para os companheiros. Era muito amigo do guarda-redes, o Damas, do Marinho, do Dinis, do Chico Faria… Todos craques. E tal como agora toda a equipa do Barcelona joga para o Messi, toda a equipa do Sporting da altura jogava para o Chirola, que ganhava todos os domingos um carro. Uma empresa que patrocionava o clube premiava o jogador que marcava o primeiro golo, mas ele já tinha um BMW bordô que adorava, era uma máquina.

E o que fazia com os carros que ganhava?
Sorteava-os pelos companheiros. Por isso era tão admirado. Os miúdos pobres iam ver os treinos e ele dava-lhes sempre qualquer coisita. Ele tinha tido uma infância como a deles e, então, dava sempre uma ajuda. A sua família era muito humilde, com seis irmãos e uma irmã, e ele ajudou-os a todos.

Como foi essa época em que ele ganhou a Bota de Ouro?
Foi impressionante, ele marcava em quase todos os jogos. Sentia-se importante, os companheiros jogavam para ele e o Chirola não perdoava a nenhum guarda-redes. Lembro-me dessa gala em que lhe entregaram a Bota de Ouro. Fecharam o Lido só para nós e o Beckenbauer disse ao Chirola: “Tens a mulher mais linda de todos os jogadores do mundo.”

Porque deixou o Sporting?
O Sporting teve que o vender depois do 25 de abril de 1974, porque ele ganhava muito e ainda tinha mais dois anos de contrato e o clube não tinha condições para lhe pagar o ordenado. E ele adorava o clube, mas teve que partir devido a questões económicas. Foi assim que fomos para Marselha. Ele tinha a opção de ir para o Real ou Atlético de Madrid, não me lembro bem, mas o Chirola disse: “Vamos para França, assim aprendo outra língua”.

E ele quis voltar à Argentina?
Voltámos em 1978. Pagou 500 mil dólares para poder sair do Marselha porque ainda tinha dois anos de contrato. Voltou porque lhe tinham prometido que ia jogar o Mundial [em 1978, na Argentina], mas depois não o convocaram e começou a sua depressão. Se tivéssemos ficado na Europa e hoje ainda fosse vivo, o Chirola seria um Platini, um Beckenbauer… Ele era um embaixador, vivia de outra maneira, às 7 da manhã vinha o professor de inglês lá a casa… Mas na Argentina, mudou de vida. Separámo-nos em 1987, dez anos antes da sua morte.

 

126 golos em 131 jogos pelo Sporting CP, 46 golos numa só época no campeonato nacional, bota de ouro europeu. Héctor ‘Chirola’ Yazalde faria, hoje, 70 anos.