É filho único.
Sou filho único, infelizmente. Gostava de ter irmãos, mas na altura não foi possível.

O que faziam os seus pais?
A minha mãe trabalhava numa empresa têxtil e o meu pai era agente do GOE, grupo de operações especiais e anti-terrorismo.

Cresceu onde?
Em Loures, até aos 18/19 anos.

Era um miúdo irrequieto?
Não. Era educado e bem comportado, acho que nunca dei um desgosto aos meus pais. Nunca fui demasiado rebelde, nunca arranjei problemas. Fui bom aluno.

Gostava da escola? 
Nunca chumbei um ano, mas no 12º ano tive que optar porque já não conseguia conciliar a escola com os treinos de futebol da equipa A, no Sporting. Ainda tentei estudar à noite mas não consegui.

Era bom em que disciplinas, do que é que gostava mais?
Gostava muito de inglês e de química. E, obviamente, de desporto também.

O gosto pelo futebol surgiu na rua?
Sim, desde muito pequenino ia para a rua jogar com os meus vizinhos. Desenhávamos na parede, com um tijolo, a forma de uma baliza e já me atirava para o chão em cima das pedras da calçada.

Ficava sempre à baliza?
Na rua jogava à baliza e depois trocava. Depois quando comecei a jogar numa equipa, no Ponte de Frielas, com nove ou dez anos, comecei a extremo direito, mas era muito baixinho e gordinho e não me conseguia mexer muito. O meu treinador dizia que eu tinha bons pés, mas que não conseguia correr muito e mandou-me para a baliza. Era muito assustador. A baliza era mesmo muito, muito grande para um menino tão pequenino. Já era guarda redes numa baliza de futebol de 11, com 9 anos.

O Ponte de Frielas tinha relvado?
Não, na altura era pelado. E como aquela é uma zona de muitas cheias, o campo inundava-se muitas vezes. Parecia pólo aquático, mas nós gostávamos. Quando chovia era uma alegria.

Deve ter chegado muitas vezes a casa esfolado.
Muitas vezes chegava cheio de sangue nos joelhos, nos cotovelos, mas a paixão falava mais alto e na altura parecia que nada doía, nada ardia. Era feito tudo com muita paixão, doía na altura mas depois passava logo. E estava sempre a contar as horas para o dia seguinte, para voltar ao treino.

Nessa altura já torcia pelo Sporting? 
Tenho uma vaga ideia, foi há muitos anos… O meu pai gostava muito do Sporting e do FC Porto mas nunca me fez gostar de nenhum clube por obrigação. Sempre me disse: “Vais aprender a gostar por ti e aquilo que tu gostares é aquilo que vais seguir”. Depois, quando tive a oportunidade de ir para o Sporting, logo nos primeiros treinos, criei aquele elo de ligação com o clube de Alvalade, uma ligação sentimental.

E como é que surge essa oportunidade?
Essa oportunidade surge num jogo curioso, um Sporting-Ponte de Frielas, em que perdemos por 11-2 ou 11-3. Nesse jogo fiz imensas defesas, defendi dois ou três penaltis. Foi um jogo onde sofri muitos golos, mas acabei por divertir-me muito. Chegou uma altura em que os adeptos do Sporting já aplaudiam as minhas defesas, não sei se por pena… estávamos a perder por tantos (risos). Entretanto estava muito sol e trouxeram-me um chapéu do Benfica. Olhei para o chapéu e (não menosprezando o Benfica) e acabei por tirá-lo. No final do jogo o senhor Aurélio Pereira falou com os meus pais e convidou-me para fazer os treinos de captação no Sporting.

Como reagiram os seus pais?
O meu pai nunca forçou a minha carreira, sempre me deixou escolher o meu caminho. Mesmo a nível de clubes nunca me pressionou para que fosse para algum clube. Aquilo que eu quisesse ser, aquilo que eu gostasse, era por isso que eu tinha de lutar e fazer o meu percurso. Portanto, o meu pai perguntou-me se eu queria ir aos treinos do Sporting, se achava bem. Na altura, o importante era mesmo a escola, só não queria que perdesse o interesse pela escola. Disse-lhe que queria muito. A minha mãe sempre me apoiou, foi sempre uma pessoa muito importante na minha vida, na minha carreira, no meu percurso de menino. Fui fazer os treinos de captação ao Sporting. Não sei precisar nem quero estar a mentir, mas acho que éramos uns 30 guarda-redes. Iam eliminando e fazendo a seleção. Acabei por ficar até ao fim e fui aceite pelo Sporting.

Nessa altura já era conhecido por Beto, era assim que o tratavam em casa?
Sim, na primária alguns amigos já me chamavam Beto, era o diminuitivo para Alberto. Só o meu treinador, o Virgílio, ex-glória do Sporting que ainda hoje trabalha para o Sporting, e que na altura era o treinador do Ponte Frielas, era o único que me chamava António Alberto. Ele e o meu pai. De resto já toda a gente me chamava Beto.

O apelido Pimparel vem de onde? 
Existem várias versões, mas aquela em que eu acredito, é a que a família do meu pai me conta. Que o nome vem de uma geração muito anterior à minha, de uma pequena aldeia de Bari, em Itália, que depois se mudou para Bragança, de onde era natural o meu falecido pai. Para mim, a versão do meu pai e da família dele é suficiente.

Nessa altura quando vai para o Sporting, é já com contrato?
Não. Íamos ficando de um ano para o outro. Uns jogadores ficavam, outros iam embora, os treinadores é que decidiam se os jogadores tinham qualidade e condições.

Foi ficando e quando é que passa de júnior a sénior?
Faço o meu primeiro contrato profissional, se não me engano, aos 16/17 anos. Fiz o percurso todo, desde iniciados, juvenis, juniores, equipa B e posteriormente equipa A. Foram 9/10 anos em que representei o Sporting, até que o Sporting prescindiu dos meus serviços e emprestou-me ao Chaves.

 

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Antes disso, passa da equipa B para a equipa A em 2001/2002, depois é emprestado ao Casa Pia. Como é que foi essa experiência no Casa Pia?
Na altura tive outras opções, mas o Sporting quis que eu fosse jogar para ali, para me ter por perto, para me ver a jogar. Não vou dizer que foi a melhor ou a pior, foi mais uma experiência.

Que outras opções é que tinha?
Se não me engano, o Belenenses e o Estrela da Amadora, mas na altura o Sporting não quis e eu acabei por deixar que o Sporting escolhesse o meu destino.

Ficou chateado?
Não se trata de ficar chateado.Obviamente qualquer jogador ambiciona sempre algo mais, mas aceitei o desafio e fui. Fiz a época, e foi uma boa época para mim a nível desportivo porque, como disse anteriormente, adquiri bastante experiência. Não vou dizer que era o meu destino de sonho.

Entretanto, regressa ao Sporting à equipa B e depois é emprestado ao Chaves.
Exacto. Regresso à equipa B, sou chamado à equipa A com o László Bölöni. Fico como terceiro guarda-redes e somos campeões nacionais. Finalizo essa temporada e volto a ser emprestado.

Porque é que não ficou no Sporting nessa altura?
Não sei. Talvez pelo mesmo motivo que me tinham emprestado anteriormente, para poder jogar. Sinceramente não estranhei muito que o clube me quisesse emprestar para rodar, para continuar a fazer minutos, para continuar a adquirir experiência.

Quem eram os guarda-redes que estavam no Sporting nessa altura?
O Nélson, o Tiago e eu.

O Beto acaba por ter mais sucesso que o Tiago e o Nelson.
Cada um faz a sua carreira e faz o seu percurso. Eu fiz o meu e aceitei sempre as decisões dos clubes por onde passei. Respeitei, mais do que aceitei. O aceitar é outra história. Nessa altura saí pior do que quando fui para o Casa Pia, porque tinhamos sido campeões e eu estava a viver um sonho; e, de repente, independentemente de ter sido ou não utilizado, senti que era um jogador promissor, em que as pessoas tinham esperança e apostavam. Mas obviamente algumas pessoas no clube não pensaram o mesmo e acabaram por decidir finalizar o meu percurso no Sporting.

Bölöni ainda estava no clube?
O Bölöni continuava, mas não foi por causa do treinador que não fiquei. Pelo menos a informação que me chegou na altura, foi a de que foi uma pessoa na direção que achou por bem que eu saísse.

Pode dizer quem é? 
Não vale a pena, não vai adiantar nada porque o tempo não volta para trás e não guardo rancor de ninguém. Foi uma decisão dessa pessoa.

Foi muito difícil ir para longe da família, para Chaves?
Foi, foi muito difícil. Primeiro porque eu ainda era jovem, era filho único, sempre fui muito acarinhado pela minha família, fui sozinho para lá. Abanei um pouco nos primeiros tempos quando me vi sozinho em Chaves.

Ponderou vir embora?
Algumas noites, sim. Falei muitas vezes com o meu pai porque queria vir-me embora, queria estar à beira da família, não aguentava estar ali sozinho.

Tinha 22 anos.
Acho que 21. Mas o meu pai sempre foi aquela rocha na minha vida, aquele grande suporte, aquele grande conselheiro, aquele grande exemplo de coragem, de espírito de sacrifício de lutar pela coisas e o meu pai não me deixou desistir. Disse que o meu futuro ia depender de mim e das minhas decisões, da minha força de vontade e acabei por perceber isso, independentemente das lágrimas e das saudades.

Correu bem a época?
Não foi uma época por aí além, joguei pouco, tive poucas oportunidades, não foi dos meus melhores anos. Guardo muito carinho pelos flavienses, porque fui muito bem tratado pelo povo de Chaves. Acho que são gente de bem, da qual eu guardo muito carinho, do senhor Francisco, o atual presidente do Chaves. Entretanto fui para o Marco.

Como é porque que é que surge o FC Marco? 
Encontrei uma pessoa muito importante na minha carreira, o Hugo Oliveira, treinador de guarda redes. Voltou a dar-me algumas diretrizes importantes para a minha vida, a minha carreira, voltou a fazer-me acreditar que eu tinha qualidade e que tinha um futuro risonho pela frente e evoluí muito desportivamente no Marco.

Mas como é que lá vai parar? Tinha empresário?
Tinha empresário, mas havia algumas dúvidas, o que era normal. Eu não joguei muito em Chaves e tinha saído do Sporting emprestado. Algumas das pessoas que me tinham enviado para Chaves tinham ficado de contactar-me para saber o que é que ia acontecer, como finalizava o contrato e ninguém me contactou. Acabei por perceber, entre linhas, o que ia acontecer: percebi que o Sporting ia prescindir dos meus serviços. O Hugo Oliveira contactou-me porque acreditava em mim e achava que eu não tinha sido bem aproveitado em Chaves, nem respeitado pelas pessoas do clube. Chamou-me e eu aceitei. Desportivamente foi um ano incrível, correu-me tudo lindamente, grandes jogos, grandes exibições, sentia-me feliz.

Não correu bem a nível financeiro, porque não lhe pagaram.
Estive oito meses sem receber um salário. Desportivamente estava muito feliz, treinava, jogava… mas sou de uma família muito humilde e, até à data, praticamente não tinha ganho dinheiro assinalável e mais uma vez ponderei abandonar, porque nunca quis depender de ninguém. Chegou uma altura em que já estava quase a precisar que os meus pais me ajudassem. Liguei para o meu pai e disse-lhe: “Estou a fazer tudo por tudo para realizar este meu sonho, aquilo que eu idealizei para mim, mas chega ao final do mês e tenho a casa para pagar, tenho as minhas contas, tenho a minha alimentação, se eu não recebo nada não se justifica contiuar, porque já não tenho 16 anos”. Os meus pais prontificaram-se, como maravilhosos pais que foram, a ajudar-me. A minha mãe viajou até ao Marco de Canaveses para me ajudar com a comida, a roupa e mais uma vez o meu pai não me deixou desistir. “Tu vais conseguir e continua a acreditar em ti, a acreditar no teu sonho, eu acredito que tu vais conseguir”. E realmente no final dessa época, o Vitor Oliveira convidou-me para o Leixões.

Teve outras clubes interessados?
Na altura, tive várias ofertas. Tinha a Académica, tinha o SC Braga, com o Jesualdo Ferreira, estive inclusivé com o Jesualdo Ferreira e com o Vitor Oliveira, sentados na mesma mesa a discutir para onde é que eu ia e eu acreditei no Vitor Oliveira. Para mim continua a ser das pessoas mais importantes na minha carreira, dos melhores treinadores que já tive, dos melhores treinadores do mundo, para mim. Deu-me essa oportunidade, essa possibilidade de continuar a sonhar, de continuar a mostrar-me.

Entretanto o seu pai faleceu.
Sim, já vai fazer 11 anos. Foi um choque brutal e a história é um pouco caricata, para não dizer irónica. Porque o meu pai faleceu, com 55 anos, no dia em que eu assinei pelo Leixões. Como somos muito religiosos, o meu pai tinha dito que ia a Fátima se eu conseguisse fazer um bom contrato, com um bom clube e voltasse a ser feliz. E lá fui todo contente de Matosinhos, onde assinei o contrato, para Lisboa, desejoso de chegar a casa, contar a novidade e fazer os pais sorrirem após alguns anos de algum sofrimento, perda de esperança. Jantei com eles, o meu pai super feliz, super orgulhoso, e fui para minha casa, porque eu na altura já tinha um apartamento em Loures. Entretanto ligou-me a minha mãe a contar o que tinha acontecido. Foi horrível. É irónico porque no dia em que a minha carreira mudou, foi no dia que infelizmente o meu pai partiu.

Era muito ligado a ele…
Sim, sim. Aliás a foto dele está onde eu estou. A foto dele está na minha mesa de cabeceira e todos os dias falo com ele, todos os dias lhe agradeço os valores que me passou, o facto de nunca me ter deixado desistir. Ele para mim é um exemplo, é um herói, é o meu herói. Mas ironicamente o dia em que a minha carreira dá o clique, é no dia em que o meu pai morre. Curiosamente a partir daí a minha carreira foi maravilhosa, sempre a crescer, sempre a somar títulos.

Já tinha sido chamado à seleção ou não?
Ainda não. Sou chamado à seleção mais tarde. Faço a minha primeira época no Leixões na II Liga, somos campeões, subimos à I divisão, entretanto faço mais uma boa temporada no Leixões, surgiram algumas ofertas, mas na altura quis esperar mais um ano para ter mais experiência na I Liga. Fiz mais um ano no Leixões e aí fizemos uma classificação histórica para o clube: ficámos em 6º lugar. É então que sou convidado a ir para o FC Porto.

O contacto com o FCP como é que surge? 
Contactaram o meu representante, já era o António Teixeira, mostrando interesse nos meus serviços. Tive outras ofertas, mas a minha cabeça já estava ali, em jogar numa equipa grande. Com a paixão que eu tinha pelo Sporting, obviamente o meu sonho era voltar ao Sporting e mostrar que não saí como acho que devia ter saído, mas assim que surgiu a oportunidade do FC Porto não quis ouvir mais nenhuma.

Quem era o treinador do FC Porto?
O Jesualdo Ferreira.

E como é que foi o embate de entrar num grande clube como o FC Porto?
Durante 10 anos vivi num clube grande, mas numa fase de formação e chegar ao FC Porto foi uma experiência maravilhosa para mim, foram épocas de vitória. Não fui a primeira opção, na altura estava com o Helton, mas joguei em todas as competições, Liga, Taça de Portugal, Liga dos Campeões, Liga Europa.

O FC Porto tem a tal mística de que se fala? 
Tem, tem uma mística especial. É um clube com muito carisma, que ensina os jogadores a gostar do clube, a sentirem o ADN do FCP. E eu identifiquei-me com os seus ideais. Trataram-me muito bem,o clube respeitou-me como pessoa, como jogador e senti-me muito feliz. Já assumi que o meu clube de coração é o Sporting, mas tenho um carinho muito grande pelo FCP, porque me tratou bem e à minha família e eu não posso virar as costas a um clube que me tratou tão bem.

Já era casado e tinha filhos?
Não era casado, tinha a minha namorada, que conheci quando estava no Leixões, e tinha o meu filho Gonçalo que nasceu em 2008.

Diz que as coisas correm bem no FCP mas foi emprestado a um clube romeno.
Sim, tomei eu a decisão de pedir para sair.

Porquê?
Porque já estava na terceira época e nas duas anteriores tinha feito poucos jogos, não chegavam a 30. Era pouco para mim, apesar de ser feliz no FCP. Sempre fui um jogador de balneário e de grupo, acabei por sentir-me importante no balneário e reconheci esse meu papel no balneário do FCP, também pela minha mística, pelo meu caráter, pela minha maneira de ser, mas eu queria algo mais; queria a seleção.

Mas já não tinha sido chamado à seleção quando estava no Leixões?
Sim, fui chamado pela primeira vez à selecção A, pelo Carlos Queiroz, estava ao serviço do Leixões. Tive alguma continuidade até que quando entrou o Paulo Bento, como eu não estava a jogar com a regularidade que queria, não tinha a competitividade a nível de jogos que tinham outros guarda-redes e então tomei a iniciativa de falar com o FCP e pedi para sair, para ter minutos.

E porquê ao CFR Cluj da Roménia?
Porque isto surgiu tarde, a maioria dos mercados já estava fechado, só os da Rússia, da Ucrânia, da Roménia estavam abertos e o meu grande amigo Jorge Costa, que era na altura o treinador do CFR Cluj, falou com o meu empresário e disse que precisava de mim para ser campeão nacional da Roménia. E fui.

Foi sozinho ou levou a família?
Fui sozinho. Até porque na altura já estava separado.

Como é que foi a experiência de ir para um país diferente com outra língua, outra cultura, um país mais frio?
A adaptação não foi muito difícil porque havia muitos jogadores portugueses no plantel nessa altura. A equipa técnica era portuguesa e acabei por adaptar-me mais rápido, não tive que aprender logo a falar romeno porque o treinador falava português e tinha cinco ou seis colegas portugueses. A necessidade de falar outro idioma não era tão urgente.

Quem eram esses colegas?
O Camora, o Cadu, o Nuno Diogo que é um grande amigo meu, o Celestino, o Rui Pedro… . Foi mais difícil a adaptação à cultura deles, à mentalidade um pouco mais fria, não tão sentimental, não tão expressiva. E foi difícil também o tempo, muito frio, muita neve. Mas foi um grande ano para mim, fui campeão, fui o melhor jogador do campeonato na altura. No meu último jogo o clube fez-me uma homenagem, entregou-me o troféu do melhor jogador do ano, celebrámos o título e os adeptos agradeceram.

Deve ter algumas histórias engraçadas desses tempos…
Tenho uma história que acaba por ser caricata. O clube emprestava carros aos jogadores estrangeiros, só que eu nunca tinha conduzido um veículo na neve, não sabia muito bem o que era preciso. Um dia ia na estrada em direção a um restaurante, nevava imenso. Eu distraí-me com qualquer coisa, o carro começou a fugir-me e entrei de frente num muro feito de neve. Fiquei com a parte da frente do carro até às portas de trás coberto de neve. Não me aconteceu nada, nem ao carro, simplesmente entrei num muro feito de neve e fiquei lá metido.

Como é que saiu?
Liguei a um colega que estava no restaurante, eu já não estava longe. Eu ainda meti a marcha atrás mas o carro patinava e não saía do mesmo sítio. Tiveram de meter umas tábuas nas rodas de trás; as rodas agarraram e lá consegui sair com o carro (risos).

Aprendeu a falar romeno?
Na altura aprendi, mas não foi um idioma que eu tenha dado continuidade, deixei de praticar e fui perdendo.

Fez amizades na Roménia?
Com uma ou duas pessoas do clube. O meu círculo de amigos eram os portugueses.

O que faziam nos tempos livres?
Juntávamo-nos muito para jogar PlayStation ou para ir ao cinema. Visitámos a zona da Transilvânia, que é uma zona bonita. Havia também umas estâncias de esqui.

Praticava esqui?
Não, porque não sabia esquiar e tinha medo de magoar-me. E no regulamento desportivo interno do clube também existem algumas proibições lógicas para precaver algum tipo de acidentes.

Depois dessa época vai para o Sp. Braga.
Regresso ao FCP, obviamente motivado, com confiança e com esperança. Faço a pré-temporada, na altura o treinador era o Vitor Pereira, e percebi novamente que não ia ter os mesmos minutos que tinha tido no ano anterior; ou seja, que não ia ser titular e voltei a falar com o FCP. Não sou mais do que ninguém, mas também não sou menos do que ninguém. Respeito todas as decisões dos treinadores, mas obviamente tenho os meus objetivos a nível de carreira e quero dar continuidade a esta competitividade e a continuar a crescer. Foi então que surgiu a possibilidade de ser emprestado ao Braga.

Esteve pouco tempo no SC. Braga.
Cinco meses.

E segue emprestado para Espanha.
Exatamente. Surge essa possibilidade em janeiro. Depois do Iker Casillas se magoar no dedo, o Real Madrid foi buscar o Diego Lopez ao Sevilha, que passou a precisar urgentemente de um guarda-redes. Ligaram para o meu empresário e perguntaram se eu queria ir “ontem” para Sevilha, porque era mesmo urgente. Fiquei super feliz e motivado porque o meu sonho estava a realizar-se: ia para a maior Liga do mundo, para um clube como o Sevilha. Nem olhei para trás. Dias depois estava jogar a final da Taça do Rei contra o Atlético de Madrid.

Viveu noSevilla os seus anos de glória
Três títulos europeus…Vivi quase três anos muito, muito feliz. Profissionalmente e familiarmente, porque conheci a minha atual mulher em Sevilha. Um casal que actualmente é um casal amigo nosso, apresentou-me a Maria e a partir desse dia temos sido muito felizes.

Foi amor à primeira vista?
Foi. Apaixonamo-nos à primeira vista. Somos muito parecidos, percebemos que temos muito a ver um com o outro, encaixamos bem, e tem sido um suporte muito importante na minha vida.

O que é que ela faz profissionalmente?
Na altura trabalhava numa clínica de inseminação artificial. Agora está na Turquia comigo e com a nossa bebé, a Maria, que tem dois meses e meio. Ela juntamente com o Gonçalo são as duas minhas grandes motivações.

Quando ia para fora o seu filho ficava com a mãe?
Sim, estava sempre com a mãe, no Porto. Tentei explicar-lhe sempre o porquê do pai ir à procura deste sonho, disse-lhe que nunca iria deixar que lhe faltasse absolutamente nada, mas que tinha a obrigação de seguir este sonho.

Quando está no Sevilla volta a ser chamado à selecção?
Sim, sim, fui sempre chamado à seleção até que, por isso é que eu estava a dizer que foram três anos maravilhosos. Até que tive um azar num jogo contra o Real Madrid, num choque com o Benzema deslocou-me o ombro e foram vários meses parado.

Isso foi em que ano?
Em 2015. Foi um azar e obviamente sem treinar e sem jogar, perdi o meu lugar, por lesão. Voltei a fazer a pré-temporada no ano a seguir, consegui ganhar o meu lugar. Lutei novamente pelo meu lugar e consegui ganhar o meu lugar. Começo a época no Sevilla e à terceira jornada lesionei-me no joelho. Foi realmente muito doloroso o último ano no Sevilha.

Até porque havia o Euro2016…
Foi a perda da possibilidade de ser feliz, a possibilidade de treinar, perdi obviamente a seleção. Lesionado e não jogando não se pode ir à seleção. E pronto terminou o meu vínculo com o clube, com o Sevilha.

O que é que lhe aconteceu ao joelho?
Fiz uma pequena ruptura no ligamento interno. Mas nem no ombro, nem no joelho foram necessárias cirurgias, felizmente. Mas foi um período de recuperação muito largo, meses num caso e mais quatro meses e tal no outro. Foram oito meses parado.

Estando com essa lesão como é que surge o Sporting?
O Sporting surge já no final da época no Betis de Sevilha, quando eu já treinava a 100%. Aliás, eu faço o último jogo do campeonato contra o Granada em forma de despedida também porque criei uma ligação muito forte com os adeptos e com o clube. O Sevilha é um clube que guardo no meu coração. Terminei o meu contrato com o Sevilha, fui de férias a pensar no que é que ia acontecer, no que é que poderia surgir. Surgiram alguns clubes da Europa, mas que não me convenceram. Surge uma proposta muito forte do México, que estive muito tentado a aceitar. Entretanto quando o António Teixeira me falou da hipótese do Sporting, pedi para cancelar os outros processos, independentemente dos valores que estavam em causa. Pedi para cancelar tudo, para abortar todas as hipóteses e dediquei-me única e exclusivamente a ir para o Sporting.

Fê-lo por si ou pelo seu pai?
Por mim e muito pelo meu pai. Por mim, porque sabia que ia conseguir, porque sabia que não devia ter saído, porque sabia que na altura merecia ter tido outro trato. Mas, lá está, o clube não tem culpa e eu tenho paixão pelo clube. Na altura em que saí da segunda vez para ir para o Chaves disse ao meu pai que era uma injustiça o que estavam a fazer comigo e prometi-lhe que ia voltar. “Um dia vou voltar pai, um dia vou voltar a jogar no Sporting. Acredita que vou voltar a vestir a camisola do Sporting”. Quando surgiu essa possibilidade, fui.

Mas as coisas não correram como estava à espera.
A nível de utilização tenho de respeitar, existe um percurso que o Rui Patrício criou no Sporting durante muitos anos e obviamente que não podia chegar ali e “espera lá que agora sou eu”. Não, a minha ideia era representar o Sporting, o meu clube, vestir aquela camisola em meu nome, em nome do meu pai e lutar. Lutar pelo lugar, lutar por minutos, pela baliza, ajudar o meu clube como sempre fiz. A utilização não foi aquela que eu gostaria, só fiz nove ou dez jogos na época. Mas fiz grandes jogos pelo Sporting felizmente. Só que perdi o Europeu 2016 porque não estava a jogar. Como me tinha magoado no Sevilha, no final desse ano não fui convocado para o Europeu, e bem, porque não jogava, não tinha nas pernas a competição que tinham outros guarda-redes. Tive que me contentar e respeitar. Mas não queria perder a selecção porque para mim estar na seleção é o orgulho máximo. Acho que o expoente máximo do jogador é representar o seu país.

Foi por isso que foi para a Turquia? 
Eu vim para a Turquia pelo projeto deste clube, que é ambicioso. Vim para a Turquia porque queria jogar e queria estar novamente às ordens do selecionador. Se jogo posso ter possibilidades de ser convocado e essa foi a minha mentalidade, a minha maneira de pensar e foi por isso que decidi ir para a Turquia. Felizmente tenho estado a jogar, estou feliz e tenho continuado a ir à selecção.

Gosta da Turquia?
Ao princípio, a Turquia talvez tenha sido o lugar onde não me senti tão bem, não a nível desportivo porque as pessoas do clube foram fantásticas comigo. Só que existe uma vida paralela ao futebol que é a minha vida privada e social. É difícil por causa do idioma, eu não falo turco, e em muitos pouco sítios se fala inglês, por isso foi um pouco assustador ter de tratar de documentos importantes e não conseguir comunicar com as pessoas. Nos restaurantes, se o menú não tiver fotos, tu não sabes o que é que está lá escrito.

A sua mulher foi logo consigo?
A minha mulher não pôde vir comigo porque a minha bebé nasceu há dois meses e meio. Quando eu vim, ela estava proibida pelo médico de viajar com a bebé, mas assim que ela pôde viajar, quando fez um mês e com autorização do médico, viajou logo para a Turquia. Agora estão comigo.

O seu filho continua com a mãe?
O meu filho continua a viver com a mãe no Porto e continua a fazer o seu percurso de vida, o qual eu acompanho. Ele também joga futebol. Tem nove anos e assinou pelo Leça este ano. Continua a ser um bom aluno, continua a ser um filho maravilhoso

Qual a posição em que ele joga?
Parece um bocado irónico, ele joga a extremo direito mas também já foi para a baliza, portanto há aqui ainda uma dúvida em relação à posição que ele vai abraçar. Eu não forço, nem o obrigo a ser defesa, guarda redes ou avançado, ele que lute por aquilo que quiser ser e eu só estou aqui para apoiar e orientá-lo.

Entretanto é chamado novamente à seleção.
Sim, venho para a Turquia e continuo a fazer parte das escolhas do seleccionador.

Na seleção é comum ver fotos suas com o Ronaldo e com o Quaresma. De onde vem essa ligação, do Sporting?
Sim, de há quase 20 anos. Dos tempos de formação do Sporting. Independentemente da minha diferença de idades para o Cris. Ele também chegou ao Sporting muito novinho, era um menino, eu cheguei à equipa principal ao mesmo tempo que ele. São muitos anos de convivência, de balneário, de amizade, de muitas histórias, são ligações que tu levas para a vida.

 

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Quem são os seus maiores amigos do futebol?
Não tenho muitos porque amizades verdadeiras e duradouras é difícil. Também porque os jogadores vão mudando de clube e às vezes acabam por perder algum contacto. Mas tenho alguns bons amigos como é o caso do Cris e do Ricardo, do Ricardo Costa, do Bruno Alves, do Bruno Meireles, do Nuno Diogo que foi meu colega no Leixões, Fábio Coentrão. São jogadores pelos quais eu tenho um carinho muito grande.

Tem muitas tatuagens. Quando é que fez a primeira tatuagem e porquê?
Fiz uma tatuagem por brincadeira, quase por aposta com um amigo meu há quase 20 anos. Eu tinha 16 anos. Fiz um anjo da guarda na minha perna direita e ainda não foi retocada, já precisa de um retoque.

O “bichinho” ficou.
O “bicho” ficou e pegou-se, acho que não está nada exagerado, mas tenho bastantes e todas significativas. Não faço por fazer, faço com um propósito, faço com um significado e está tudo relacionado um pouco com a minha religião.

É católico praticante?
Rezo todos os dias antes de me deitar e levantar. Sou crente. Se me perguntar se vou à missa? Não vou à missa, a missa faço-a em casa, falo com Deus em casa, agradeço. Falo com o meu pai, com Deus, é a minha fé e eu praticou-a à minha maneira, sem prejudicar absolutamente ninguém.

Que outras tatuagens tem?
Tenho várias. Tenho a Liga Europa tatuada na perna esquerda e as datas das quatro finais em que estive, tenho uma Cruz de Cristo nas costas em memória do meu pai, tenho a Virgem Maria no braço esquerdo, tenho a Cruz de Cristo tatuada na minha coxa direita com o nome do meu pai por baixo, tenho uma na mão também significativa, que é uma cruz, depois a linha da vida e uma coração tudo no mesmo seguimento, e que significa que mesmo depois de morto, tu vives no meu coração. Tenho um rosário tatuado no pulso e na mão. Tenho uma muito significativa para mim no pescoço, que é o símbolo do GOE, do grupo de operações especiais de Portugal, que foi a polícia que o meu pai representou durante muitos anos e é, entre aspas a minha profissão. Se não fosse jogador de futebol era aquilo que mais gostaria de ser na minha vida.

O facto de agora ter ido para um país muçulmano não lhe fez confusão?
Existe espaço para todas as religiões desde que não se prejudique ninguém. Aceitei. É uma religião diferente, como se calhar para eles a minha religião é estranha, simplesmente adaptei-me. Obviamente que é um pouco impactante quando se chega ver tantas mulheres de burka. Ouvir o chamamento, há muitas mesquitas, também é impactante, mas com o passar dos dias vais-te habituando e acaba por fazer parte da tua rotina. Tenho os meus colegas que fazem as suas orações e praticam à sua maneira e não se metem comigo, nem me prejudicam em nada, aliás quando faço a minha oração no balneário antes de um jogo, eles próprios também desligam a música, portanto há um respeito mútuo de religiões.

Disse que o seu filho chorou quando soube que ia para o Sporting. Ele também é sportinguista?
Exactamente, ele é sportinguista, sem eu nunca pressionar nada. Aliás, eu pensava que ele era do Leixões, porque é sócio do clube, depois do FCP e do Sevilha. Mas ele um dia disse-me que o clube de que gosta mesmo é o Sporting. E no dia em que eu aceitei a oferta do Sporting, liguei para ele e contei-lhe. “Estás a falar a sério pai?”. Entretanto ele liga a televisão e começam a dar as notícias de que eu vou para o Sporting, ele largou o telefone e começou a chorar. Foi a mãe dele que pegou no telefone e disse-me: “O teu filho está a chorar. Não sei se aconteceu alguma coisa, não sei se é de alegria, ou de emoção, porque na televisão está a dar essa notícia”. Foi curioso ver a emoção dele ao saber que eu aceitei ir para o Sporting, o clube de que nós gostamos.

Ele também chorou quando o Beto foi para a Roménia.
Sofreu muito. Já são alguns anos que vivo longe dele mas curiosamente nós temos uma relação maravilhosa. Somos muito ligados um ao outro e muito amigos. Falo com ele praticamente todos os dias, sempre tentei explicar o porquê. Chegou uma altura em que ele próprio me disse: “Tu vais para jogar, que é para depois, daqui a uns anos quando deixares de jogar, teres mais tempo para mim, não é?”. Claro que isso causa emoção e dois sentimentos distintos. Ficas feliz porque vês que o teu filho parece que é um adulto, percebe o porquê, mas por outro lado, mais uma vez vou afastar-me do meu filho.

Tem algum clube de sonho onde gostasse ainda de jogar?
O meu sonho foi realizado, enverguei a camisola do Sporting. Isso já ninguém me pode tirar. Mas quando era bem mais novo, gostava muito do AC Milan. Adorava ver aquela equipa do Costacurta, Donadoni, aquela geração, aquela equipa fazia os meus olhos rir.

Em termos profissionais, qual é o seu maior sonho?
Era ganhar um título pela selecção nacional, mas eu acredito que ainda posso ir a tempo. Aquilo que mais peço é que não tenha lesões e possa estar sempre disponível para fazer aquilo que mais gosto que é jogar.

Tem algum hóbi ou alguma coisa que goste muito de fazer?
Gosto muito de ir à beira mar, de ver e ouvir o mar. Relaxa-me muito. Faz-me pensar, faz-me refletir. Gosto muito de estar em casa com a minha família, gosto muito das minhas cadelas, gosto muito de passar o tempo com as minhas cadelas.

Tem quantas cadelas?
Tenho duas. Uma terrier e uma labradora. A Aysha e a Lua. Uma vai fazer seis anos que está comigo e a outra quatro.

Vão para onde o Beto vai?
Sempre comigo. Este ano foi complicado transportá-las para a Turquia, mas acabámos por encontrar uma solução, uma boa solução para elas e para a minha família. Viajaram todos juntos no mesmo avião. Foi uma logística difícil, mas conseguiu-se.

A sua mãe continua a viver em Loures?
Sim. Sempre que posso e consigo vou visitá-la porque é a minha melhor amiga, sempre me apoiou. Devo-lhe esse carinho e essa entrega eterna.

Qual o guarda-redes que mais admira ou admirou?
Sempre e desde sempre, o Buffon.

Há algum outro jogador que admire particularmente?
Isto vai bater tudo no mesmo… obviamente um jogador que eu admiro muito não só pelo percurso, mas pelo mérito que tem, é o Cris. Por tudo. Pelo trajeto dele, por tudo aquilo que ele sonhou e trabalhou para concretizar. O mérito é todo dele. E ele é amigo. Admiro-o, como admiro o Quaresma, o Pepe. Tenho muito orgulho neles, especialmente no Cris, é o melhor do mundo. É uma referência.

 

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Entrevista de Alexandra Simões de Abreu in Expresso