Com o jogo completamente dominado frente ao Arouca, o Sporting viu o árbitro inventar a expulsão de Diomande e complicar uma noite que tinha tudo para ser tranquila, mas em campo estava um rapaz sueco que contagiou colegas e adeptos na vontade de conquistar os três pontos e segurar a liderança do campeonato

A partida de ontem trouxe-me o reforço de uma certeza e um “aposto que…”. No que toca à certeza, voltei a tê-la de que, num qualquer dialeto sueco, Gyökeres tem forçosamente que significar “amor”, e na sequência, sou gajo para apostar que quando a Bonnie Tyler cantava “Where’s the streetwise Hercules, to fight the rising odds?”, imaginava um gajo como o avançado sueco que o Sporting contratou no arranque desta época.

Foi ele, à meia hora de jogo, que começou a desbloquear um jogo de sentido único. Belíssimo cruzamento de Edwards, e o camisola 9 a aparecer como um ponta de lança deve aparecer, ajeitando de primeira a bola para o interior da rede, castigando o “não deixar jogar” que o Arouca trouxe a Alvalade, apostando num bloco baixo que nem tentava esticar-se até à área de Adán.

Logo a seguir, Edwards resolveu repetir o movimento, com a bola a percorrer quase toda a pequena área sem quem Coates e Diomande lhe corrigissem o destino. O capitão ficou no chão, o jovem central ficou de boca aberta, incrédulo, mas nem imaginava o que se seguiria: num lance onde Diomande nem move o braço, que está sempre assente na preservação de espaço para cobrir a bola, António Nobre, o artista do apito escolhido para brilhar em Alvalade, viu motivo para mostrar o segundo amarelo ao costa marfinense. O Sporting ia para o descanso não só em desvantagem numérica, como com a confirmação que o Nobre estava ali com uma missão: em três faltas assinaladas aos Leões, conseguiu mostrar 4 amarelos e um vermelhos aos jogadores verde e brancos. Café com leite gourmet.

Em desvantagem numérica, Amorim deixou Edwards no chuveiro e lançou Matheus Reis para fazer companhia a Coates e a Gonçalo Inácio. Ora, eu que não percebo futebol nem de perto do que Amorim deve perceber, fico sempre espantado quando, sabendo que o adversário vai subir linhas e nós vamos ter espaço, se abdica de um dos melhores jogadores em transição ofensiva (eu tinha abdicado dos três centrais). Para piorar as coisas, seis ou sete minutos após o recomeço, o Arouca empatou, numa valente cabeçada de Mujica, o tal que tinha feito o teatro que valeu a expulsão de Diomande.

Amorim baralhou e voltou a dar, agora lançando Eduardo Quaresma para a direita do trio de centrais, voltando a colocar Inácio à esquerda e tirando Nuno Santos para poder manter em campo Matheus Reis. Geny também entrou, de forma a que o Sporting voltasse a ter profundidade e magia no flanco direito. Mas era a Gyökeres, uma espécie de Thor, que estava ligado o coração da equipa e dos adeptos.

Se Bonnie Tyler cantava “Where’s the streetwise Hercules, to fight the rising odds? (…) He’s gotta be strong, and he’s gotta be fast, and he’s gotta be fresh from the fight”, Györkeres dançava no relvado, assumindo a trabalhadeira que é levar 9 colegas e 37 mil adeptos às costas, disfarçando a inferioridade numérica, desmarcando-se para esticar o jogo, ganhando faltas como se de um jogo de rugby se tratasse, aproximando cada vez mais a equipa da área adversária, e não se coibindo de ser o primeiro a defender.

Quando Geny esteve perto de fazer o 3-1, num remate de fora da área, é dessa fúria do herói sueco que tudo nasce: disputou uma bola na área, levantou-se, acelerou e veio ao meio campo ganhar a bola ombro no ombro, voltando a embalar rumo à área adversária. Metam a conversa dos zero ídolos nos entrefolhos, pessoal!

Não houve 3-1, mas houve 2-1, por Morita, inteligente a compensar a ausência de um colega na área adversária depois de belo trabalho de Pote na esquerda. E bem que o japonês merece ser feliz, ele que vai sendo o nosso médio mais consistente, até face à preocupante incapacidade de Hjulmand estar 90 minutos em campo.

Depois veio muito sofrimento, muitos cruzamentos do Arouca para a molhada, mas nessa altura já a turba estava contagiada pelo frenético sueco, num jogo cuja imagem do último apito não podia ser mais icónica: Gyokeres é lançando mais uma vez em profundidade e quando chega ao pé da bola ouve-se o sinal para terminar a partida. O sueco pega na bola, mete-a debaixo do braço, e lambe-se, qual Leão que acaba de degustar mais uma refeição.