gelsonbessaNão me perguntem porquê, mas levei as horas que antecederam a visita ao Bessa a ter flashes de memória com aquele jogo de há 25 anos (caraças…) em que matámos um borrego com três décadas. Careca, Cadete e Filipe seriam os marcadores de serviço, duas bolas embateriam nos postes, Leal o mal amado lateral faria um belo jogo, Luisinho limparia tudo na defesa, Douglas e Oceano encarregar-se-iam do meio campo, José Pratas tentaria lixar-nos como sempre, o promissor Litos cruzaria da direita para Careca, a jogar sem caneleiras frente à equipa do Bobó!!!, inaugurar de cabeça o placard num estádio onde só se ouvia gritar “Sporting!”.

Bem, é capaz de não ter sido assim tão descabida essa viagem ao passado, no dia em que um site chamado Notícias ao Minuto resolveu pegar na notícia da renovação de Gelson e perguntar aos leitores “Considera a cláusula de 100 milhões adequada para o jogador do Sporting Clube de Portugal?”. É que entre a viagem ao passado e a pergunta cretina, Gelson, o mais do que promissor Gelson extrairia novamente os rins a um defesa e colocaria a bola no local onde sabia que apenas Bas Dost poderia chegar. Enquanto a bola viajava redonda e perfeita, enquanto milhares de levantavam num “é agora”, soava uma versão com riffs do Telepatia, de Lara Li, entoada pelo goleador holandês que depois de cabecear com classe passa da expressão de assassino em série para o sorriso de um gaiato que sabe que tem os braços tão grandes que quer abraçar todos os companheiros (a começar por quem lhe passa a bola).

O golo chegaria com justiça, mas com atraso, face ao que o Sporting ia fazendo em campo. Domínio total, boas movimentações e um onze cada vez mais onze, onde as dúvidas vão sendo quem encosta à extrema esquerda e quem joga no apoio directo ao ponta de lança. Ontem, Bruno César foi o dono da canhota (e que grande jogo fez) e Campbell voltou a ver reconhecida a sua forma tumultuosa de agitar o jogo (olho para o camisola 7 e vejo uma espécie de Oceano, que também estava no tal jogo de 1990, tecnicamente melhorado para jogar no ataque). Bas Dost daria o primeiro sinal aos 8 minutos de jogo, num fantástico movimento onde vem fora da área servir de pivot, lança a corrida de quem lhe aparece na ala esquerda e teleporta-se à área para um remate de  complicada execução técnica que acabaria no poste da baliza adversária.

Gelson tinha aberto o livro (tive que ir mudar o boxer depois daquele lance em que ele trava, mas escorrega, e aproveita o facto de estar a deslizar para fazer a bola contornar o defesa enquanto ele arrancava pelo outro) e partia tudo e todos. Rodopiava à entrada da área para um remate fraco, recebia um passe de Bas Dost com tanta classe que no momento seguinte já estava dentro da área a rematar cruzado e a ver a bola madrasta afastar-se dois palmos do poste. Depois Gelson retribuiria a gentileza e o Sporting colocar-se-ia em vantagem. E haveria tanto Gelson que daríamos por nós aos 94 minutos, a vê-lo galgar meio-capo e entre a vertigem natural de deixar mais um adversário para trás e tentar servir Bas Dost e a possibilidade de segurar a bola junto à bandeirola de canto, escolher a segunda hipótese (e os gajos que dizem que o William é lento teriam um AVC quando ele resolveu acelerar campo fora, protegendo e fintando, já os ponteiros estavam nos descontos).

Sim, nesta altura o Sporting estava em inferioridade numérica (expulsão de Ruben Semado que devia valer um jantar à equipa de arbitragem) e geria a vantagem como equipa adulta, fazendo os minutos esfumarem-se. Pelo meio, um domínio de jogo total (Coates imperial a comandar a defesa, Adrien impressionante a recuperar bolas à saída da área adversária) ao qual apenas faltou o golo que colocasse um ponto final na partida (e como aquele pontapé de Bruno César, depois de mais um brilhante lance de Gelson, merecia ter entrado ao invés de bater na barra com estrondo). Acabou por sofrer-se sem necessidade, mas o mais importante foi conquistado com tanta clareza que até foi dada resposta à pergunta cretina do tal site de notícias: “Considera a cláusula de 100 milhões adequada para o jogador do Sporting Clube de Portugal?”. E ainda há dúvidas, pá?*

*a propósito de dúvidas, é deliciosa a frase de um tal Carlos Santos: «Ficou 1-0, mas para nós ficou 1-1, porque marcámos um golo, só que não foi validado». Olha, falem com o Bruno e digam-lhe que o futebol português está a precisar do vídeo-árbitro! 

 

dostadrien2