Não me importa quantos anos tens de sócio. Não me importa se és sócio. Não me importa se és o presidente ou o porteiro. Não me importa se vais a Alvalade sempre que o Sporting lá joga ou se nunca lá foste. Não me importa se sabes o nome de todos os jogadores, se conheces a história de trás para a frente, se tens gamebox de tudo e mais alguma coisa. Não me importa que idade tens. Não me importa saber em quem votaste para presidente. Se os teus olhos brilham quando vês a camisola verde e branca, se a tua atenção se prende quando escutas a palavra Sporting, se perdes o apetite depois de um mau resultado, estão é contigo que quero falar.

Por certo já tiveste oportunidade de ler a declaração que o presidente do Sporting Clube de Portugal tornou pública, há três dias. Não sei se a leste toda, até porque é extensa, mas eu pegaria, imediatamente, na primeira frase: «Temos a legitimidade da maioria dos Sportinguistas que democraticamente nos elegeram». E pego nesta frase porque, muito sinceramente, não creio que exista a necessidade da marcação de uma AG para que seja dado um voto de confiança a quem gere os destinos do clube. Com menos de dois anos de trabalho à frente do Sporting e com outros tantos pela frente, sou da opinião que a avaliação deveria ser feita no final do primeiro mandato. Até porque, espero, todos temos bem fresca na memória a recordação do estado em que o Sporting estava há dois anos. Não, não vou entrar em comparações com anteriores direcções. Mas tenho que ter um ponto de partida para analisar o trabalho desta direcção, certo? Afinal, foi isso que o presidente acaba de pedir-nos: que façamos um balanço e que digamos se concordamos que se continue a trilhar o caminho escolhido. Se quiseres vai ali atrás do balcão e traz qualquer coisa para beberes. Isto é capaz de demorar um bocado.

Finanças: há dois anos estávamos num verdadeiro buraco. Manietados por empréstimos bancários e com o clube na mão da banca. Sem dinheiro para pagar as contas (a promessa João Carlos vai para Liverpool por cerca de 1 milhão de euros, dinheiro utilizado para acertar contas de luz, água, gás, entre vários outros fornecedores: Wolfswinkel é despachado para Inglaterra para pagar ordenados e dívidas bancárias, isto só para citar dois exemplos), mas reconhecido como uma das melhores empresas para trabalhar na grande Lisboa com ordenados que, só na área da comunicação e marketing, rondavam os 18 mil euros mensais. Éramos, num fundo, um daqueles gajos que come pão com manteiga para poder conduzir um carro topo de gama. Com uma agravante: o banco que nos facilitou o leasing não queria que se mudasse de condutor e já tinha preparada um folhinha com todas as condições. A nova direcção recusa assiná-las e chega-se a uma situação limite onde é atirada a palavra “refundação”. Agenda-se uma conferência de imprensa, onde essa palavra seria apresentada aos sócios e adeptos e onde seria tornado público todo o esquema que impedia a reestruturação financeira. Milhares de Sportinguistas cancelam contas num banco que veio a confirmar-se ser mau. As posições de força tornam-se menos distantes. Há acordo. E volta a ser possível gerir o Sporting.

As medidas de choque: Ora, para tentar recuperar o clube era necessário alterar hábitos e tomar medidas impopulares. Despedimentos, acertos de ordenado. Obviamente que bons profissionais ficam pelo caminho, num processo que é sempre questionável e que desgasta a imagem de quem tem de tomar decisões em função do equilíbrio das contas. Exalta-se quem sai, aponta-se o dedo aos que chegam de novo. O lado mais grave acaba por ser a constatação de algo que me deprimiu ao longo dos dois últimos processos eleitorais: os ataques pessoais. De um momento para o outro, o presidente já tinha colocado a mulher, a cunhada e mais de metade da família a trabalhar no Sporting. E, imagine-se, tudo a ganhar à grande. Triste, desnecessário, preocupante. E já te explicarei o porquê de assim pensar lá mais para o final desta conversa.
Entretanto, também era necessário mudar a frota. Os topos de gama, todos comprados em segunda mão, custavam uma pipa de massa todos os meses e só davam problemas. Mas o maior deles todos ainda estava para vir: como vermo-nos livres desses topos de gama? De forma mais rude ou mais cordial, a folha salarial lá foi emagrecendo. Ao mesmo tempo, a guerra aberta contra empresários, comissões e fundos tornava-se num dos cavalos de batalha desta direcção, sendo de sublinhar a recente decisão da FIFA de colocar um ponto final nos fundos. O caso Bruma terá sido o mais mediático ao longo desta batalha, até porque se tratava de um jogador que fazia parte do plano traçado face aos imperativos financeiros: as contratações cirúrgicas e a aposta na formação.

A vertente desportiva, ano I: Contrata-se um dos melhores treinadores portugueses, Leonardo Jardim. E um dos melhores laterais esquerdos do nosso campeonato, Jefferson. Recupera-se William Carvalho, formado em Alvalade. Descobre-se Montero e Slimani. Equilibram-se as laterais com o emprestado Piris. Maurício e Wilson Eduardo dão conta do recado. Magrão cumpre o pouco que lhe era pedido. Welder, mesmo por empréstimo, é uma aposta que não se percebe, tal como Hugo Sousa, que veio para a equipa B. Tal como nunca se chega a perceber porque raio se gastou dinheiro em Cissé. Shikabala é uma aposta de risco que sai completamente furada (e que já devia ter sido devidamente explicada ao sócios e adeptos, face às férias que o jogador vai gozando na sua terra Natal). A equipa supera todas as expectativas e consegue conquistar o segundo lugar e o acesso directo à Liga dos Campeões. Na Taça, é eliminada na luz, em mais um jogo inclinado pelo apito. Na Taça da Liga há mais um triste episódio, desta feita com a rábula do atraso dos três minutos, no estádio do dragão. Chega-se ao final da época com a sensação de dever cumprido, mas, também de que a equipa estava espremida ao máximo e que seria incontornável reforçá-la. Leonardo Jardim, concretiza a decisão tomada a meio da época e parte para nova aventura, no Mónaco, com o Sporting a encaixar uns inéditos três milhões pela venda de um treinador.

A vertente desportiva, ano II: A sucessão de Jardim não demora, sendo apresentado Marco Silva. Sou da opinião que nada ficámos a perder com a troca, bem pelo contrário. Quando o novo treinador chega, já as contratações estão em marcha, naquele que é um dos pontos nos quais discordo do modelo escolhido: em meu entender, o chef deve ser uma das vozes mais activas na escolha dos ovos com que quer cozinhar (respeitando a verba à sua disposição, claro). Da ida ao mercado, mais ou menos partilhada entre treinador e quem dirige o futebol, creio que podemos catalogar as contratações em três níveis:
– boas contratações: Paulo Oliveira, Rosell, Jonathan Silva, Ryan Gauld, Nani
– estes gajos são bons, mas podem passar por cá sem chegarem a adaptar-se: Slavchev, Rabia
– apostas de risco ou a precisarem de tempo para se fazerem jogadores: André Geraldes, Sarr, Sacko, Tanaka

Entretanto, em cima do arranque da época, perdemos os dois centrais que, muito provavelmente, seriam titulares: Rojo e Dier. E essas perdas nunca foram devidamente colmatadas. Por mais que sejamos simpáticos e tentemos defender todos os que vestem a nossa camisola, a equipa está coxa numa das posições mais fundamentais. Alguns dos pontos perdidos resultam, precisamente, dessa dificuldade em estabilizar o centro da defesa, também limitada noutra vertente importante para o futebol que Marco Silva tenta implementar: o saber sair a jogar. Pese esta e outra limitações, sou da opinião que o Sporting tem sido a equipa que melhor futebol tem praticado em Portugal. E que, exceptuando o jogo de Guimarães, a primeira parte frente ao Paços e a segunda frente ao Moreirense, em todos os jogos onde perdemos pontos jogou-se e criaram-se oportunidades mais do que suficientes para ganhar.

Entretanto, com a exigente sequência de jogos, começa a questionar-se o porquê da aposta num núcleo de 15 jogadores, quando o plantel tem uns 25 mais uma equipa B à disposição. “Temos feito a rotatividade possível”, afirma Marco Silva, o que nos conduz a outras vertentes que devem ser analisadas: a aposta na formação e a comunicação.

Aposta na formação: As renovações de contrato com William Carvalho, João Mário, Carlos Mané, Rúben Semedo, Wilson Eduardo, Luís Ribeiro, Riquicho, Tobias Figueiredo, Mica, Edelino Ié, Kikas, Chaby, Ricardo Esgaio, Iuri Medeiros, Daniel Podence, Wallyson, Cristian Ponde, Betinho, Luka Stojanovic, Gelson Martins ou Francisco Geraldes, são um claro indício de que existe vontade em continuar a apostar na nossa imagem de marca. Claro que não se percebe porque raio se renovou contrato com Salomão ou com Fokobo, independentemente dos atributos da agente deste último.

Um gajo até esquece isso quando nos vê brilhar na Champions com oito portugueses na equipa principal, sete deles formados em Alvalade, mas quando pensamos na Academia, é justo dizer-se que todos nós nos temos questionado com o decréscimo de qualidade na maioria das nossas equipas dos escalões de formação. Também é verdade que, de um momento para o outro, pessoas que se estavam marimbando, passaram a querer saber o nome dos iniciados, daí que o histerismo tenta a subir de tom. Qualquer pessoa minimamente atenta à formação, sabe que existem ciclos. O caso da equipa de juvenis é um bom exemplo: no ano passado, quem não os conhecesse, diria que não prestavam para nada, ignorando estarmos perante uma equipa que deverá estar em ponto de rebuçado na próxima época. Neste momento, as críticas maiores vão para os juniores e, recentemente, o próprio Bruno de Carvalho afirmou que existia uma lacuna ao nível dessa faixa etária, daí a aposta em jovens promessas estrangeiras para amadurecerem na B. E é aqui que se levantam as maiores dúvidas: será que faz sentido levarmos com o Enoh a ocupar o lugar de um dos jogadores formados no Sporting? Fez sentido ir buscar o Gazela? Porque raio vem um tal de Ary Papel, uma espécie de Shikabala angolano, para a equipa B? Depois, vemos o Chaby, o Iuri, o Domingos Duarte, Francisco Geraldes ou Gelson Martins no banco e perguntamos “porquê?” (já agora, alguém que me tire esta dúvida: estes três não podiam, ainda, jogar pelos júniores? É que se a resposta for sim, seria francamente melhor do que estarem a aquecer o banco).

Ainda a respeito da equipa B, deixa-me dizer-te que me irritou aquela dança de treinadores com um Barão à mistura. E até te digo mais: acho que a equipa B não pode funcionar de forma tão distante da equipa principal. Se confias num treinador para a equipa principal, faz sentido que a pessoa que fica à frente da B seja alguém que lhe seja próximo. Ainda para mais quando o objectivo passa por colocar as várias etapas da formação a jogar e a trabalhar à imagem da principal. Entretanto, nesse mesmo comunicado, ficamos a saber que não vai haver reforço da equipa em Janeiro. Ou melhor, que os reforços estão em casa. Estranho, se pensarmos que alguns nem na equipa B têm jogado. E isto conduz-nos à outra vertente: a comunicação.

A comunicação: vou ser o mais sincero possível. Tem sido desastrada. Boa a ideia de falar a uma só voz, péssimo quando essa só voz parece ser decidida por uma única cabeça. Muito do drama em que se transformou a actual classificação do Sporting, resulta, precisamente, das expectativas criadas. Que o Sporting é candidato já nós sabemos. Colocá-lo como principal candidato é um exagero face às condicionantes. Obviamente que eu acredito que temos equipa para sermos campeões. Obviamente que perdemos pontos mal perdidos e somos, semanalmente, brindados com exercícios do apito que retiram esperanças aos mais optimistas. Mas, sou-te sincero, consigo aceitar que a manta pode ser curta para fazer brilharetes na europa (e fomos dignos, mais do que dignos), para ser campeão e limpar a Taça (a da Liga limpam os putos). Passar a mensagem de que temos plantel mais do que suficiente para isso tudo, é um erro. E motiva, obviamente, cobranças.
Mas o pior, sinceramente, é a forma como isso nos tem chegado. Desabafos no face. Declarações. No fundo, ralhetes para todo o mundo ouvir. Obviamente que quem dirige tem toda a legitimidade para puxar as orelhas a quem paga o ordenado, mas temos mesmo que fazê-lo em público?!? Nunca vou concordar com isso, peço desculpa. E lamento que não haja quem consiga passar essa mensagem internamente. Aliás, esta última declaração, por mais rico que seja o conteúdo é um desastre na forma. Numa semana em que os rivais metem água à vez, o que é que fazemos? Oferecemos manchetes a quem, diariamente, tenta minar o trabalho que é feito. E aumentamos a pressão sobre a equipa e sobre o treinador. É de um amadorismo que me deixa doente. Ao pé disto, vários outros disparates comunicacionais, como a sequência de barbaridades que envolveu o lançamento da SportingTV, como que desaparecem do mapa.

A propósito de SportingTV, olha outra das coisas boas que se conseguiram. Tem muito que evoluir, pois tem, mas foi e é importante. Também as redes sociais do Sporting conseguiram dar o salto e são, hoje, aspecto incontornável na forma de chegar aos Sportinguistas espalhados pelo mundo. O próprio Jornal tem vindo a procurar aprimorar-se e modernizar-se. É através destes meios que, novamente em jeito de balanço, temos visto o nosso hóquei ressurgir (e que maravilha isso é!). Que temos visto o futsal e o andebol conquistarem títulos. Que percebemos o esforço que é feito pelo pessoal do rugby. Que acompanhamos o eterno atletismo. Que contamos, diariamente, os euritos que vão sendo recolhidos na Missão Pavilhão. E que tentamos perceber tudo o que se passa neste tão grande mundo chamado Sporting. Nas bancas, na televisão, na rádio, num processo quase diário, vamos sendo trucidados. E gostamos. Gostamos porque continuamos a comprar esses jornais, porque continuamos a assinar determinados canais, porque servimos de veículos a tanta merda que se escreve, despejando-os nas redes sociais a troco de mais não sei quantos likes.

Chegamos, assim, a uma véspera de Natal em que me sinto numa aldeia beirã ou transmontana, daquelas onde, no largo da igreja, a população ainda queima o tronco. Infelizmente – e, porra, como isso me magoa; tanto que estou desde as cinco da manhã a tentar ter esta conversa contigo – é o Sporting que está a servir de tronco. Com uma agravante: há centenas de Sportinguistas a aquecerem-se, com um rasgado sorriso e borrifando-se no essencial: o Sporting! Eu não consigo aceitar que alguém se diga de um clube e o coloque em segundo plano, face a interesses pessoais, por isso… permite-me recomeçar.

Não me importa quantos anos tens de sócio. Não me importa se és sócio. Não me importa se és o presidente ou o porteiro. Não me importa se vais a Alvalade sempre que o Sporting lá joga ou se nunca lá foste. Não me importa se sabes o nome de todos os jogadores, se conheces a história de trás para a frente, se tens gamebox de tudo e mais alguma coisa. Não me importa que idade tens. Não me importa saber em quem votaste para presidente. Se os teus olhos brilham quando vês a camisola verde e branca, se a tua atenção se prende quando escutas a palavra Sporting, se perdes o apetite depois de um mau resultado, estão é contigo que quero falar.
“Outra vez?!?”, perguntas tu. É rápido. Sabes, estou a ouvir uma música do Jorge Palma, intitulada Duas Amigas. A dada altura, canta ele: «Veio o silêncio ensurdecedor; Ainda há contacto mas não há calor; Quando as mãos ficam rijas e a alma se esconde; E fica entrincheirada entre o ódio e o amor… Entre o ódio e o amor». É assim que está a nação leonina. Entre os ódios pessoais, os egos incontroláveis e o amor a um clube. Espero que, sejas lá tu quem fores, consigas ser um dos que se mostrará capaz de perceber o que é mais importante.